Português e História em uma questão interdisciplinar da UECE

Português e História em uma questão interdisciplinar da UECE

Olá, pessoal. Tudo bem? Hoje trago a vocês uma questão interdisciplinar do vestibular da UECE 2020. A questão exigiu dos candidatos conhecimentos tanto na disciplina de Português como na disciplina de História. Vamos lá?

Questão 27 – UECE 2020

O gênero épico medieval nasceu no norte da Europa com o objetivo de cantar as gloriosas aventuras de heróis populares. Frequentemente os autores desse gênero transformavam episódios históricos em estórias míticas. Relacione, corretamente, os locais de criação dos épicos com as respectivas obras, numerando a Coluna II de acordo com a Coluna I.

Coluna IColuna II
InglaterraCantos de Edda (séc. IX-XII)
Escandinávia e IslândiaConto da campanha de Igor (séc. XIII)
AlemanhaPoema de Beowulf (séc. X)
RússiaCanção dos Nibelungos (séc. XIII)

A sequência correta, de cima para baixo, é:

A) 2, 4, 1, 3.

B) 4, 3, 2, 1.

C) 1, 2, 4, 3.

D) 3, 1, 2, 4.

Resolução Comentada

Para elaborar o comentário dessa questão, eu irei trazer informações provenientes de um artigo acadêmico que eu já escrevi. Este conteúdo estava localizado na parte de cultura medieval, podendo apresentar relação interdisciplinar com a História.

O épico, a saga e a epopeia são gêneros parecidos da antiguidade. Conforme Spina (2007, p. 70), as sagas são narrativas em verso ou em prosa, de interesse capital para a história primitiva dos povos nórdicos. Porém, este gênero se pauta na já existente epopeia, desde a antiguidade clássica.

Segundo N. K. Sanders, os épicos podem ser caracterizados como “um tipo especial de narrativas de viagens e aventuras, sempre presentes no mundo atemporal e sem fronteiras da lenda e do romance folclórico” (ANÔNIMO, 2012, 67).

A História Geral da Europa no período estava dividida da seguinte maneira:

  • Alta Idade Média: séculos V-X;
  • Baixa Idade Média: séculos XI-XV.

Portanto, o período abordado na questão consiste à Alta Idade Média, quando os Estados-Nações ainda não estavam consolidados. Antes de haver essas nações, havia uma língua primitiva (protolíngua) unindo-os. No caso de A Canção dos Nibelungos, por exemplo, não dá para falar ainda exatamente numa Alemanha, mas, sim, Saxônia.

Como os povos eram nômades (isto é, não tinham moradia fixa, deslocavam-se e estavam constantemente em luta com outros povos pela conquista de territórios e firmada de poder), uma das características do épico é não haver uma versão consolidada.

Pois funcionava como se fosse telefone sem fio, passando de povos a povos, culturas e culturas, gerações e gerações. Assim, a narrativa oral era muito valorizada, consistindo no principal meio/veículo de comunicação na época, até o advento do livro e da imprensa com Gutenberg, no século XV.

  • Cantos de Edda (séc. IX-XII). É válido esclarecer que o texto de Edda em prosa não é integralmente em prosa. Trata-se de uma compilação de lendas da mitologia nórdica dividida em quatro partes, isto é, exatamente igual à tetralogia de José. Estas 4 partes são as seguintes: Prólogo, Gylfaginning (Ilusão do Rei Gylfi da Suécia), Skáldskapármal (Poesia dos Escaldos), e Hátattal (Lista de Formas Poéticas). Segundo Spina (2007, p. 70), os escaldos eram poetas profissionais da corte islandesa, compositores do louvor das gestas de reis, chefes guerreiros e da própria Edda. Para os bardos da época, são elementos principais da poesia a metáfora e a métrica. A versão traduzida para o português por Artur Avelar e lançada pela Editora Barbudânia em 2015 é elogiável, embora talvez não seja assim tão conhecida. Apesar de caprichada, ela também não está completa, não apresentando a última parte, o Hátattal.

Não é fato óbvio que no texto de Edda em prosa também haja poesia e uma certa miscelânea de gêneros literários. Das poesias encontradas em Edda, destacam-se Völuspa (uma visão do mundo escandinavo) e Grímnismál (ou Grimnismil, lendas sobre os príncipes Geiroedr e Agun).

Outros poemas conhecidos são o Havamal (poema ético e filosófico em 5 partes); o Balders Draumar (ou sonhos de Balder) e Thrymskvida (proezas e aventuras do deus Thor). Todos eles compõem o ciclo chamado de Eddas, no plural.

A versão analisada começa com o Prólogo, que se trata da reescritura da origem do mundo, de forma que três linhas de tempo muito diferentes coexistem entre si: a da Bíblia, a da Grécia Antiga (Tróia) e a Nórdica.

Isto por causa da teoria histórica de Snorri Sturluson – historiador, poeta e político – a teoria de que “os deuses mitológicos surgiram a partir de figuras históricas que lutaram em combate e reis que, após mortos, eram invocados em guerras constantemente, sendo venerados até serem lembrados somente como deuses” (STURLUSON, 2015, p. 9). Príamo, por exemplo, correspondia diretamente a Saturno.

O lobo Fenrir, um dos três diabólicos filhos de Loki, é amarrado em grilhões, dos quais irá se soltar no dia do Ragnarök, ou o Apocalipse nórdico. Até mesmo no fim do mundo a humanidade pode se regenerar, buscando um novo começo, reforçando o curso cíclico da história. Ao Ragnarök, sobrevivem Vídarr e Váli, bem como os filhos de Thor, Módi e Magni; em vez de Ásgard, eles habitarão as Planícies de Ida.

Thor (2011)

Thor estava iria herdar o trono de Asgard das mãos de seu pai Odin quando forças inimigas quebraram um acordo de paz. Disposto a se vingar do ocorrido, o jovem guerreiro desobedece às ordens do rei e quase dá início a uma nova guerra entre os reinos. Enfurecido com a atitude do filho e herdeiro, Odin retira seus poderes e o expulsa para a Terra.

Lá, Thor acaba conhecendo a cientista Jane Foster (por quem eventualmente se apaixona) e precisa recuperar seu martelo, enquanto seu irmão Loki elabora um plano para assumir o poder. Mas os guerreiros do Deus do Trovão fazem a mesma viagem para buscar o amigo e impedir que isso aconteça.

Só que eles não vieram sozinhos e o inimigo está presente para uma batalha que está apenas começando. O primeiro filme de Thor continuou na sua própria trilogia e o herói também participa das sagas dos Vingadores. Na cultura de massa da contemporaneidade, ele é transformado em super-herói.

  • Conto da campanha de Igor (séc. XIII). Talvez o mais distante de nós, pois se trata da Idade Média Oriental, mas poderia ser respondida por eliminação, dica a qual eu sugiro seguir na hora de gabaritar a questão. Trata-se de um poema épico datando de aproximadamente 1202 narrando os grandes feitos de Igor, o Bravo. Também é conhecido por outros nomes: A Campanha da Canção de Igor, A Leitura da Campanha de Igor e O Laico do Anfitrião de Igo, por exemplo. O épico narra sobre a invasão fracassada de Igor contra os cumanos da região do rio Don, importante e famoso cenário na Rússia, resgatado também em outra obra literária posterior, O Don silencioso, de Mikhail Sholokhov, Prêmio Nobel da Literatura de 1965.

O Conto da Campanha de Igor foi adaptada por Alexander Borodin como uma ópera. Porém, aqui há um elemento novo: a junção do dado histórico com a literatura, pois Ivan não foi uma figura retirada da literatura, mas sim um líder na realidade.

  • Poema de Beowulf (séc. X). Para a resposta, baseei-me em duas versões, a traduzida pelo PhD Lesslie Hall e Grendel – o inimigo de Beowulf, por John Gardner, mas para a Língua Portuguesa também há a versão Beowulf: uma tradução comentada de J. R. R. Tolkien, criador de Senhor dos Anéis. Beowulf é considerado um épico anglo-saxão.

Hrothgar tem um filho chamado Grendel, mas ele é nascido do relacionamento dele com um monstro mítico, a mãe de Grendel, toda vestia de ouro e responsável por seduzir os mais fortes dos homens por meio do canto de sua cornucópia. Um dia, é chegado um guerreiro viking às terras de Hrothgar, que livra o filho do rei de sua maldição ao matar um dragão.

A lenda de Beowulf (2007)

Ilha de Sjaelland, perto de onde fica a Dinamarca. O demônio Grendel ataca o castelo do rei Hrothgar sempre que tem uma festa, cerimônia ou ocasião importante, porque não suporta o barulho gerado. Grendel sempre mata várias pessoas nos seus ataques, embora poupe Hrothgar.

Com o povo aterrorizado, o rei Hrothgar ordena que o salão onde as comemorações são realizadas seja fechado. Até que chega ao local Beowulf, um guerreiro que promete eliminar o monstro. Além de tudo, essa obra tem uma forma de filmagem especial: são atores reais que passaram por um véu/filtro de animação.

  • Canção dos Nibelungos (séc. XIII). Há duas traduções deste épico para o português, uma da editora Martins Fontes e outra mais recente da editora Thesaurus, a que utilizamos. Trata-se da Canção ou A Agonia dos Nibelungos (Der Nibelungen Not), lembrando que a palavra Not em alemão obtém significado múltiplo, podendo também significar “emergência”, “dificuldade”, “necessidade”. Esta saga é dividida em 39 aventuras, em duas partes.

Havia uma região chamada Nivelles, a quem os francos da região norte ainda chamavam de pagus Nivellensis. Encontrava-se, entre eles, o nome de Nibelung, Nibulung, Nivelung ou Nivelon.

Eles são “os mortos, com base no fato da Edda falar dos Niflungar e de Niflheim, a terra das brumas ou dos mortos; se os Nibelungen são os mortos, quem conquista seus tesouros está condenado a reunir-se a eles. Explicação mítica” (Louth 1979: 314). Primeiro surge a poesia lírica, sob influências provençais, depois a poesia narrativa da Alemanha medieval, classe à qual pertence a Canção.

No dia 19 de junho de 1755, o pesquisador bávaro, Jakob-Hermann Obereit, descobre um pedaço de manuscrito. Em 1779, Wocher, de Oberlachen encontra o manuscrito completo. Depois os discípulos suíços de Bodmer analisam o que será chamado de “a Ilíada alemã”. É o lied dos Nibelungen.

Quem o escreveu? Um contemporâneo de Hartmann von Aue, de Wolfram von Eschenbach e de Walter von der Vogelweide, em algum lugar entre 1200 e 1205. Por que o escreveu? “Era necessário”, afirma Wilhelm Grimm, “que o Nibelungenlied só fosse escrito no século XII-XIII, porque eu confirmo a seguinte proposição: toda tradição, qualquer que seja a sua natureza, não é escrita antes do momento em que corre o perigo de ser esquecida”.

Isto é, no momento em que a Volksepos, epopeia viva, brotada do povo, se transforma em Kunstepos, epopeia literária redigida por um poeta, com a elaboração dos escribas (Louth, 1979, p. 313-314).

A canção dos Nibelungos retoma os ideais de nobreza de cavaleiros, do antigo heroísmo germânico conservado nas canções épicas do povo, como se fosse um catálogo de virtudes germânicas cordiais. É redigida entre 1200 e 1205 na ou perto da cidade bávara da Passau, situada às margens do Danúbio, onde a segunda parte acontece.

É cantada muitas vezes em primeira pessoa. O enredo todo é constituído pela lógica da antecipação das ações, o que acentua o seu caráter dramático e profético. O herói da saga é Siegfried, que etimologicamente significa “amigo da paz”.

Siegfried vai dos Países Baixos à Burgúndia, mais especificamente Worms do Reno, em intenção de lutar contra o rei Gunther pela mão de sua irmã Kriemhild e a ela oferecer o seu tesouro, roubado dos Nibelungos e que ele porta como herança. Gunther não está prontamente disposto a oferecer a sua irmã.

Ele negocia a sua mão em troca de um favor de Siegfried: ajudá-lo a conquistar a mão da rainha guerreira da Islândia, Brühnhild. Em luta contra Siegfried pela sua própria mão, princesa perde toda a sua força física, é subjugada e acompanha os heróis de volta à Burgúndia.

Vikings (2013)

Ragnar Lothbrok  é o maior guerreiro da sua era. Líder de seu bando, com seus irmãos e sua família, ele ascende ao poder e torna-se Rei da tribo dos vikings. Além de guerreiro implacável, Ragnar segue as tradições nórdicas e é devoto dos deuses.

As lendas contam que ele descende diretamente de Odin, o deus da guerra. Há uma edição em livro também, em Língua Portuguesa, escrita originalmente por por Haukr Erlendsson  e Saxo Grammaticus e traduzida por Artur Avelar (o mesmo de Edda). O título da obra é As Histórias de Ragnar Lodbrok.

Senhor dos Anéis: a sociedade do anel (2001)

Numa terra fantástica e única, chamada Terra-Média, um hobbit (seres de estatura entre 80 cm e 1,20 m, com pés peludos e bochechas um pouco avermelhadas) recebe de presente de seu tio o Um Anel, um anel mágico e maligno que precisa ser destruído antes que caia nas mãos do mal.

Para isso o hobbit Frodo terá um caminho árduo pela frente, onde encontrará perigo, medo e personagens bizarros. Ao seu lado para o cumprimento desta jornada aos poucos ele poderá contar com outros hobbits, um elfo, um anão, dois humanos e um mago, totalizando 9 pessoas que formarão a Sociedade do Anel.

Seguem acima outras sugestões de filmes e séries dos temas correlatos. Aparentemente são temas difíceis e longe de nós, mas aprender se divertindo pode ser uma boa opção.

Cuidado: pois A Canção dos Nibelungos, embora tenha uma parte que se passa na Islândia, passa-se em grande parte no País dos Burgúndios, reino de Gunther, na época Saxônia e hoje Alemanha. Também preste atenção: embora a linhagem de Beowulf (seu pai especialmente) venha da Dinamarca (Escandinávia), ele é viking e nômade. Sua procedência se aproxima do que hoje conhecemos por Inglaterra. Esses dois épicos poderiam suscitar dúvidas, realmente, mas mais seguramente Edda se passa na Islândia e Igor na Rússia, e nenhuma das outras alternativas começariam com as opções 2 e 4. Portanto, ainda que a questão gere dúvidas, podemos respondê-las por associações e eliminações. No fundo, a questão pode ser classificada como de história literária medieval.

Logo, a ordem correta seria 2, 4, 1 e 3 e o gabarito é a letra “a”.

Gabarito: A

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