01 A tão repetida ideia de aldeia global é uma fabulação.
02 O fato de que a comunicação se tornou possível à escala do
03 planeta, deixando saber instantaneamente o que se passa em
04 qualquer lugar, permitiu que fosse cunhada essa expressão,
05 quando, na verdade, ao contrário do que se dá nas verdadeiras
06 aldeias, é frequentemente mais fácil comunicar com quem está
07 longe do que com o vizinho. A informação sobre o que
08 acontece não vem da interação entre pessoas, mas do que é
09 veiculado pela mídia, uma interpretação interessada, senão
10 interesseira, dos fatos.
11 Um outro mito é o do espaço e do tempo contraídos,
12 graças, outra vez, aos prodígios da velocidade. Só que a
13 velocidade está ao alcance apenas de um número limitado de
14 pessoas, de tal forma que, segundo as possibilidades de cada
15 um, as distâncias têm significações e efeitos diversos e o uso do
16 mesmo relógio não permite igual economia do tempo.
17 A ideia de aldeia global, tanto quanto a de espaço-
18 tempo contraído, permitiria imaginar a realização do sonho de
19 um mundo só, já que, pelas mãos do mercado global, coisas,
20 relações, dinheiros, gostos largamente se difundem por sobre
21 continentes, raças, línguas, religiões, como se as
22 particularidades tecidas ao longo de séculos houvessem sido
23 todas esgarçadas. Tudo seria conduzido e, ao mesmo tempo,
24 homogeneizado pelo mercado global regulador. Será, todavia,
25 esse mercado regulador? Será ele global?
26 Fala-se, também, de uma humanidade
27 desterritorializada, entre cujas características estaria o
28 desfalecimento das fronteiras como imperativo da globalização,
29 e a essa ideia dever-se-ia uma outra: a da existência, já agora,
30 de uma cidadania universal. De fato, as fronteiras mudaram de
31 significação, mas nunca estiveram tão vivas, na medida em que
32 o próprio exercício das atividades globalizadas não prescinde
33 de uma ação governamental capaz de torná-las efetivas dentro
34 do território. A humanidade desterritorializada é apenas um
35 mito. O exercício da cidadania, mesmo se avança a noção de
36 moralidade internacional, é, ainda, um fato que depende da
37 presença e da ação dos Estados nacionais. Sem essas fábulas e
38 mitos, este período histórico não existiria como é: também não
39 seria possível a violência do dinheiro. Este só se torna violento
40 e tirânico porque é servido pela violência da informação.
𝘔𝘪𝘭𝘵𝘰𝘯 𝘚𝘢𝘯𝘵𝘰𝘴. 𝘗𝘰𝘳 𝘶𝘮𝘢 𝘰𝘶𝘵𝘳𝘢 𝘨𝘭𝘰𝘣𝘢𝘭𝘪𝘻𝘢çã𝘰 - 𝘥𝘰 𝘱𝘦𝘯𝘴𝘢𝘮𝘦𝘯𝘵𝘰 ú𝘯𝘪𝘤𝘰 à 𝘤𝘰𝘯𝘴𝘤𝘪ê𝘯𝘤𝘪𝘢 𝘶𝘯𝘪𝘷𝘦𝘳𝘴𝘢𝘭. 𝘙𝘪𝘰 𝘥𝘦 𝘑𝘢𝘯𝘦𝘪𝘳𝘰: 𝘙𝘦𝘤𝘰𝘳𝘥, 2006 (𝘤𝘰𝘮 𝘢𝘥𝘢𝘱𝘵𝘢çõ𝘦𝘴)
A coerência e a coesão do texto seriam mantidas caso o período Quando essa comunicação se faz, na realidade, ela se dá com a intermediação de objetos, seguido de ponto final, fosse inserido logo após