07 de junho Os meninos tomaram café e foram a aula. Eles estão alegres porque hoje teve café. Só quem passa forme é que dá valor a comida.
Eu e Vera fomos catar papel. Passei no Frigorifico para pegar linguiça. Contei 9 mulheres na fila. Eu tenho a mania de observar tudo, contar tudo, marcar os fatos.
Encontrei muito papel nas ruas. Ganhei 20 cruzeiros. Fui no bar tomar uma media. Uma pra mim e outra para a Vera. Gastei 11 cruzeiros. Fiquei catando papel até as 11 e meia. Ganhei 50 cruzeiros.
... Quando eu era menina o meu sonho era ser homem para defender o Brasil, porque eu lia a Historia do Brasil e ficava sabendo que existia guerra. Só lia os nomes masculinos como defensor da pátria. Então eu dizia para a minha mãe:
- Porque a senhora não me faz virar homem?
Ela dizia:
- Se você passar por debaixo do arco-iris você vira homem.
Quando o arco-iris surgia eu ia correndo na sua direção. Mas o arco-iris estava sempre distanciando. Igual os políticos distante do povo. Eu cançava e sentava. Depois começava a chorar. Mas o povo não deve cançar. Não deve chorar. Deve lutar para melhorar o Brasil para os nossos filhos não sofrer o que estamos sofrendo. Eu voltava e dizia para a mamãe:
- O arco-iris foge de mim.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo. São Paulo: Ática, 2014, p. 53-54.
Esse fragmento foi retirado da obra Quarto de despejo, que pertence ao gênero diário; segundo a abordagem da narradora-personagem, a partir do que se observa nesse excerto: