[4]
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, que viva de guardar alheio gado, de tosco trato, de expressões grosseiro, dos frios gelos e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal¹ e nele assisto²; dá-me vinho, legume, fruta, azeite; das brancas ovelhinhas tiro o leite, e mais as finas lãs, de que me visto. Graças, Marília bela, graças à minha estrela!
(...)
[5]
Tu não verás, Marília, cem cativos tirarem o cascalho e a rica terra, ou dos cercos dos rios caudalosos, ou da minada serra.
Não verás separar ao hábil negro do pesado esmeril a grossa areia, e já brilharem os granetes de oiro no fundo da bateia³.
(...)
Não verás enrolar negros pacotes das secas folhas do cheiroso fumo; nem espremer entre as dentadas rodas da doce cana o sumo.
Verás em cima da espaçosa mesa altos volumes⁴ de enredados feitos; ver-me-ás folhear os grandes livros, e decidir os pleitos.
Enquanto revolver os meus consultos, tu me farás gostosa companhia, lendo os fastos da sábia, mestra História, e os cantos da poesia.
Tomas A. Gonzaga, Marília de Dirceu
Glossário:
¹casal: pequena propriedade rural.
²assisto: resido, moro.
³bateia: utensílio empregado no garimpo; espécie de gamela.
⁴altos volumes: referência a processos judiciais, pois o poeta era magistrado.
Nesses excertos, Dirceu apresenta a Marília alguns dos argumentos com que pretende convencê-la a desposá- lo, bem como lhe sugere uma imagem de sua vida conjugal futura.
Considerando-se o teor dos argumentos e das imagens aí presentes, pode-se concluir corretamente que