Questão
Universidade do Estado do Amazonas - UEA
2022
Fase Única
VER HISTÓRICO DE RESPOSTAS
Amigo-Doroteu-prezado10062d365a2
Amigo Doroteu, prezado Amigo,
Abre os olhos, boceja, estende os braços,
E limpa das pestanas carregadas
O pegajoso humor, que o sono ajunta.
Critilo, o teu Critilo é quem te chama;
Ergue a cabeça da engomada fronha.
Acorda, se ouvir queres coisas raras. [...]

[...] Então verás Leões com pés de pato;
Verás voarem Tigres, e Camelos,
Verás parirem homens, e nadarem
Os roliços penedos sobre as ondas.
Porém, que têm que ver estes delírios
C’os sucessos reais, que vou contar-te?

(Cartas chilenas, 2006.)

Depreende-se desse trecho da obra de Tomás Antônio Gonzaga um tom jocoso e satírico, a exemplo do que se observa nos seguintes versos do poeta barroco Gregório de Matos (1636-1696):
A
Ofendi-vos, meu Deus, é bem verdade,
É verdade, Senhor, que hei delinquido,
Delinquido vos tenho, e ofendido,
Ofendido vos tem minha maldade.
Maldade, que encaminha a vaidade,
Vaidade, que todo me há vencido,
Vencido quero ver-me e arrependido,
Arrependido a tanta enormidade.
B
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
C
Já desprezei; sou hoje desprezado;
Despojo sou de quem triunfo hei sido;
E agora nos desdéns de aborrecido,
Desconto as ufanias de adorado.
O Amor me incita a um perpétuo agrado;
O decoro me obriga a um justo olvido:
E não sei, no que empreendo, e no que lido,
Se triunfo o respeito, se o cuidado.
D
Aquele não sei quê, que, Inês, te assiste
No gentil corpo, e na graciosa face,
Não sei donde te nasce, ou não te nasce,
Não sei onde consiste, ou não consiste.
Não sei o quando ou como arder me viste,
Porque Fênix de amor me eternizasse:
Não sei como renasce ou não renasce,
Não sei como persiste ou não persiste.
E
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um bem frequente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.