CAÇA ÀS BRUXAS
Por que as caças às bruxas foram dirigidas principalmente contra as mulheres? Como se explica que, ao longo de três séculos, milhares de mulheres se tornaram a personificação do “inimigo no meio de nós” e do mal absoluto? E como conciliar o retrato que inquisidores e demonólogos pintavam de suas vítimas como todo-poderosas, quase míticas – criaturas do inferno, terroristas, devoradoras de homens, servas do diabo que, enlouquecidas, percorriam os céus em cabos de vassoura –, com as figuras indefesas das mulheres reais que eram acusadas desses crimes e, então, terrivelmente torturadas e queimadas em fogueiras?
Uma resposta inicial a essa pergunta reconstitui a perseguição às “bruxas” desde os deslocamentos causados pelo desenvolvimento do capitalismo, em especial a desintegração das formas comunais de agricultura que predominavam na Europa feudal e a pauperização a que a ascensão da economia monetária e a expropriação de terras lançaram amplos setores das populações rurais e urbanas. Segundo essa teoria, as mulheres tiveram maior probabilidade de ser vitimizadas porque foram as mais “destituídas de poder” por essas mudanças, em especial as mais velhas, que, muitas vezes, se rebelavam contra a pauperização e a exclusão social e que constituíam a maioria das acusadas. Em outras palavras, as mulheres foram acusadas de bruxaria porque a reestruturação da Europa rural no início do capitalismo destruiu seus meios de sobrevivência e a base de seu poder social, deixando-as sem nenhum recurso além da dependência da caridade de quem estava em melhores condições. Isso em uma época de desintegração dos laços comunais e de cristalização de uma nova moralidade – que criminalizava o ato de pedir esmolas e desprezava a caridade, que no mundo medieval fora um caminho conhecido para a salvação eterna.
Essa teoria, expressa pela primeira vez por Alan Macfarlane em Witchcraft in Tudor and Stuart England (Bruxaria na Inglaterra dos Tudor e dos Stuart, 1970), certamente se aplica a muitos dos julgamentos de bruxas. Há, sem dúvida, uma relação direta entre vários casos de caça às bruxas e o processo dos “cercamentos”, como demonstram a composição social dos grupos acusados, as acusações feitas contra eles e a caracterização comum da bruxa como mulher pobre e idosa que vivia sozinha, dependia de doações da vizinhança, ressentia-se amargamente de sua marginalização e, muitas vezes, ameaçava e amaldiçoava quem se recusava a ajudá-la e inevitavelmente a acusava de ser responsável por seus infortúnios. Essa descrição, entretanto, não explica como aquelas criaturas miseráveis inspiravam tanto medo. Também não justifica o fato de tantas entre as acusadas serem denunciadas por transgressões sexuais e crimes reprodutivos (como cometer infanticídio e causar impotência masculina); entre as condenadas, havia mulheres que tinham atingido certo grau de poder na comunidade trabalhando como curandeiras tradicionais e parteiras ou operando práticas mágicas como localização de objetos perdidos e adivinhação.
Além da resistência à pauperização e à marginalização social, que ameaças as “bruxas” representavam aos olhos de quem planejava exterminá-las? Responder a essa pergunta exige que retomemos não apenas os conflitos sociais gerados pelo desenvolvimento do capitalismo, mas a transformação radical que isso causou em todos os aspectos da vida social, a começar pelas relações reprodutivas/de gênero que caracterizaram o mundo medieval. (FEDERICI, Silvia. Mulheres e caça às bruxas. São Paulo: Boitempo, 2019).
Assinale V (verdadeiro) ou F (falso) para as alternativas de acordo com o texto:
Segundo o texto, mulheres mais idosas foram duramente afetadas pelas transformações econômicas na Europa feudal, como o fim da agricultura em terras comunais e o início dos cercamentos, o que causou um processo de empobrecimento e exclusão social.