Questão
Fundação Getúlio Vargas - FGV
2013
Fase Única
VER HISTÓRICO DE RESPOSTAS
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CAPÍTULO IV / UM DEVER AMARÍSSIMO!

José Dias amava os superlativos. Era um modo de dar feição monumental às ideias; não as havendo, servia a prolongar as frases. Levantou-se para ir buscar o gamão, que estava no interior da casa. Cosi-me muito à parede, e vi-o passar com as suas calças brancas engomadas, presilhas, rodaque e gravata de mola. Foi dos últimos que usaram presilhas no Rio de Janeiro, e talvez neste mundo. Trazia as calças curtas para que lhe ficassem bem esticadas. A gravata de cetim preto, com um aro de aço por dentro, imobilizava-lhe o pescoço; era então moda. O rodaque de chita, veste caseira e leve, parecia nele uma casaca de cerimônia. Era magro, chupado, com um princípio de calva; teria os seus cinquenta e cinco anos. Levantou-se com o passo vagaroso do costume, não aquele vagar arrastado dos preguiçosos, mas um vagar calculado e deduzido, um silogismo completo, a premissa antes da consequência, a consequência antes da conclusão. Um dever amaríssimo!

Machado de Assis, Dom Casmurro.

Consideradas no contexto da obra, as características da personagem José Dias apresentadas no excerto — o amor dos superlativos, o figurino engomado e a solenidade deliberada —
A
tornam-no o representante, no livro, do grupo dos passadistas, atados ainda aos costumes introduzidos na Corte durante o período joanino.
B
demonstram, nele, a impregnação da retórica romântica, cujo abuso dos superlativos e exageros sentimentais o narrador expõe ao ridículo.
C
denunciam que a hipocrisia, por constituir o fundamento inato do seu caráter, manifesta-se em todas suas atitudes: vestimentais, corporais e linguísticas.
D
revelam, nele, o antigo homeopata, pejado ainda de todas as afetações próprias de sua sexualidade dúbia e recalcada.
E
servem de compensação imaginária e de autodefesa, em vista da vulnerabilidade da sua condição de agregado, sujeito, como tal, ao arbítrio dos proprietários.