Capítulo XX – Bacharelo-me
(...)
E foi assim que desembarquei em Lisboa e segui para Coimbra. A Universidade esperava-me com as suas matérias árduas; estudei-as muito mediocremente, e nem por isso perdi o grau de bacharel; deram-mo com a solenidade do estilo, após os anos da lei; uma bela festa que me encheu de orgulho e de saudades, – principalmente de saudades. Tinha eu conquistado em Coimbra uma grande nomeada de folião; era um acadêmico estroina, superficial, tumultuário e petulante, dado às aventuras, fazendo romantismo prático e liberalismo teórico, vivendo na pura fé dos olhos pretos e das constituições escritas. No dia em que a Universidade me atestou, em pergaminho, uma ciência que eu estava longe de trazer arraigada no cérebro, confesso que me achei de algum modo logrado, ainda que orgulhoso. Explico-me: o diploma era uma carta de alforria; se me dava a liberdade, dava-me a responsabilidade. Guardei-o, deixei as margens do Mondego, e vim por ali fora assaz desconsolado, mas sentindo já uns ímpetos, uma curiosidade, um desejo de acotovelar os outros, de influir, de gozar, de viver, – de prolongar a Universidade pela vida adiante...
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Abril Cultural, 1978. pp. 49-50.
Sobre o trecho e a obra em questão, são feitas as seguintes afirmações.
I. O breve relato feito pelo personagem-narrador estrutura-se a partir de um jogo de oposições, como entre as “matérias árduas” e o fato de tê-las estudado “muito mediocremente”, entre a conquista do “grau de bacharel” e sua fama de “folião”, e entre a sensação de sentir-se “logrado” e “orgulhoso” com seu diploma.
II. A comparação do diploma universitário com uma carta de alforria é reveladora da consciência e da preocupação de Brás Cubas em relação às injustiças promovidas pelo sistema escravocrata.
III. O desejo de “prolongar a Universidade pela vida adiante” sintetiza a trajetória do personagem-narrador ao longo de todo o romance, uma trajetória marcada tanto pela mediocridade intelectual quanto pelo conforto material.
Estão corretas as afirmativas