(SOMATÓRIA)
Lira XXX
Junto a uma clara fonte
A mãe do Amor se sentou;
Encostou a mão no rosto,
No leve sono pegou.
Cupido que a viu de longe,
Contente ao lugar correu;
Cuidando que era Marília,
Na face um beijo lhe deu.
Acorda Vênus irada:
Amor a conhece; e então,
Da ousadia que teve
Assim lhe pede o perdão:
── Foi fácil, ó mãe formosa,
Foi fácil o engano meu;
Que o semblante de Marília
É todo o semblante teu.
GONZAGA, T. A. Marília de Dirceu. 2 ed. São Paulo: Martin Claret, 2012. p. 76.
01) A presença de deuses mitológicos é constante na literatura neoclássica ou árcade, como se pode constatar na lira XXX pela presença de Cupido, deus do amor, e de Vênus, deusa da beleza.
02) Marília de Dirceu, por seu espírito reformista e forte apelo religioso, constitui uma obra representativa das mais autênticas da primeira fase do Romantismo brasileiro, especialmente pela exaltação da paisagem intocada, da sacralidade na poesia e das desordens no campo do amor.
04) Em Marília de Dirceu, o eu lírico dirige-se a Marília e a convida a abandonar o barulho da cidade e a desfrutar da perfeição do cenário bucólico, onde Vênus a espera: “Junto a uma clara fonte /A mãe do Amor se sentou;”.
08) Em Marília de Dirceu, o eu lírico, ao descrever a natureza, sugere um espaço agradável e inocente. Há uma retomada de temas dos clássicos gregos e latinos, como o locus amoenus (lugar ameno) e o fugere urbem (fugir da cidade).
16) Na lira transcrita, quando Cupido equipara a beleza de Marília àquela da deusa Vênus, a amada de Dirceu é elevada ao patamar de divindade.