Questão
Fundação Getúlio Vargas - FGV
2023
Fase Única
Descoberta-Literatura193e9d725b3
Descoberta da Literatura 

No dia a dia do engenho, 
toda a semana, durante, 
cochichavam-me em segredo: 
saiu um novo romance. 
E da feira do domingo 
me traziam conspirantes 
para que os lesse e explicasse 
um romance de barbante. 
Sentados na roda morta 
de um carro de boi, sem jante¹
ouviam o folheto guenzo² 
a seu leitor semelhante, 
com as peripécias de espanto 
preditas pelos feirantes. 
Embora as coisas contadas 
e todo o mirabolante, 
em nada ou pouco variassem 
nos crimes, no amor, nos lances, 
e soassem como sabidas 
de outros folhetos migrantes, 
a tensão era tão densa, 
subia tão alarmante, 
que o leitor que lia aquilo 
como puro alto-falante, 
e sem querer, imantara 
todos ali, circunstantes, 
receava que confundissem 
o de perto com o distante, 
o ali com o espaço mágico, 
seu franzino com o gigante, 
e que o acabassem tomando 
pelo autor imaginante 
ou tivesse que afrontar 
as brabezas do brigante. 
(E acabaria, não fossem 
contar tudo à Casa-Grande: 
na moita morta do engenho, 
um filho-engenho, perante 
casacos³ do eito e de tudo, 
se estava dando ao desplante 
de ler letra analfabeta 
de corumba⁴, no caçanje⁵ 
próprio dos cegos de feira, 
muitas vezes meliantes.) 

João Cabral de Melo Neto, A educação pela pedra. 

Glossário: 

1-“jante”: aro da roda. 
2-"quenzo”: magro, frágil. 
3-“cassacos”: trabalhadores do engenho de cana-de-açúcar. 
4-"corumba”: pessoa de baixa condição social, andarilho. 
5-“caçanje”: português mal falado.


No contexto regional, social e cultural representado no poema, o “romance de barbante”, nele mencionado, refere-se a
A
livros baratos, produzidos pela indústria cultural, para venda em feiras e rodoviárias. 
B
folhetos da assim chamada literatura de cordel nordestina. 
C
reproduções, em verso, de obras de romancistas literários canônicos.
D
fotonovelas legendadas, produzidas nos estados do Sudeste do Brasil.
E
narrativas picantes, de gosto duvidoso e moralidade ambígua.