Questão
Universidade do Estado do Amazonas - UEA
2021
Fase Única
VER HISTÓRICO DE RESPOSTAS
Deu-aquilo-porque44980b47afc
Deu-se aquilo porque sinha Vitória não conversou um instante com o menino mais velho. Ele nunca tinha ouvido falar em inferno. Estranhando a linguagem de sinha Terta, pediu informações. Sinha Vitória, distraída, aludiu vagamente a certo lugar ruim demais, e como o filho exigisse uma descrição, encolheu os ombros.

O menino foi à sala interrogar o pai, encontrou-o sentado no chão, com as pernas abertas, desenrolando um meio de sola

— Bota o pé aqui.

A ordem se cumpriu e Fabiano tomou medida da alpercata: deu um traço com a ponta da faca atrás do calcanhar, outro adiante do dedo grande. Riscou em seguida a forma do calçado e bateu palmas:

— Arreda.

O pequeno afastou-se um pouco, mas ficou por ali rondando e timidamente arriscou a pergunta. Não obteve resposta, voltou à cozinha, foi pendurar-se à saia da mãe:

— Como é?

Sinha Vitória falou em espetos quentes e fogueiras.

— A senhora viu?

Aí sinha Vitória se zangou, achou-o insolente e aplicou--lhe um cocorote.

O menino saiu indignado com a injustiça, atravessou o terreiro, escondeu-se debaixo das catingueiras murchas, à beira da lagoa vazia.

A cachorra Baleia acompanhou-o naquela hora difícil. [...] O pequeno sentou-se, acomodou nas pernas a cabeça da cachorra, pôs-se a contar-lhe baixinho uma história. Tinha um vocabulário quase tão minguado como o do papagaio que morrera no tempo da seca. Valia-se, pois, de exclamações e de gestos, Baleia respondia com o rabo, com a língua, com movimentos fáceis de entender. [...]

Como não sabia falar direito, o menino balbuciava expressões complicadas, repetia as sílabas, imitava os berros dos animais, o barulho do vento, o som dos galhos que rangiam na catinga, roçando-se. Agora tinha tido a ideia de aprender uma palavra, com certeza importante porque figurava na conversa de sinha Terta. Ia decorá-la e transmiti-la ao irmão e à cachorra. Baleia permaneceria indiferente, mas o irmão se admiraria, invejoso.

— Inferno, inferno.

Não acreditava que um nome tão bonito servisse para designar coisa ruim. E resolvera discutir com sinha Vitória. Se ela houvesse dito que tinha ido ao inferno, bem. Sinha Vitória impunha-se, autoridade visível e poderosa. Se houvesse feito menção de qualquer autoridade invisível e mais poderosa, muito bem. Mas tentara convencê-lo dando-lhe um cocorote, e isto lhe parecia absurdo. Achava as pancadas naturais quando as pessoas grandes se zangavam, pensava até que a zanga delas era a causa única dos cascudos e puxavantes de orelhas. Esta convicção tornava-o desconfiado, fazia-o observar os pais antes de se dirigir a eles. Animara-se a interrogar sinha Vitória porque ela estava bem-disposta. Explicou isto à cachorrinha com abundância de gritos e gestos.

(Silviano Santiago (org.). Intérpretes do Brasil, 2000.)

“Como não sabia falar direito, o menino balbuciava expressões complicadas [...].” (13º parágrafo)

Essa cena do menino mais velho reproduz, de certo modo, a cena
A
de Fabiano a gaguejar e balbuciar expressões de seu Tomás da bolandeira.
B
de sinha Vitória a gaguejar e balbuciar expressões de sinha Terta.
C
do menino mais novo a gaguejar e balbuciar expressões do pai Fabiano.
D
de Fabiano a gaguejar e balbuciar expressões do soldado Amarelo.
E
de sinha Vitória a gaguejar e balbuciar expressões de seu Tomás da bolandeira.