Dias de chuva
Cai a chuva lá fora. Plac! plac! ouço-a cantando em goteiras e cornijas, no cimento molhado da rua e nas vidraças embaçadas do meu quarto. Não sei por que, vendo o borraceiro descer, o espírito embebe-se-me em doce e longínqua rêverie.
Vejo, através duma tela úmida as paisagens distantes do meu torrão natal, e afaz-se-me a que ando viajando, como antigamente, por esses sertões, sentindo sob o pala de viagem a água cirandar forte, cabriolando e verdascando sobre os serros longes, as saraivadas, ou peneirando grosso, em meio o rendilhado sombrio da floresta por onde vou.
Assim, anos lá vão, cavalgava eu por essas estradas ermas da minha terra remota, um macho perrengue de aluguer, ou o lépido alazão Dourado, em férias, rumo do Sítio. Dia em meio, casais de araras e bandos de papagaios despregavam dum jenipapeiro qualquer de tapera o seu voo balofo, e passavam alto, em gritaria álacre de contentados; cracarás corriam escrutadores e solertes pelos campos, em surtos rasteiros de carnívoros. O verde das campinas, das orlas de mato longe, quando ganhava a chapada, tinha deslumbramentos intensos de seiva robusta e viva.
E –plac! plac! –arremedando como agora a chuva das goteiras, segue o alazão caminho afora, pelo alagado trilho de argila vermelha, deixando atrás, vincado, o molde de seus cascos ferrados, chapinhando pelo rego das enxurradas, crinas pendidas, cabeça baixa, a resfolegar...
Hugo Carvalho Ramos. Tropas e boiadas.
Sobre o conto Dias de Chuva, de Hugo Carvalho Ramos, é INCORRETO afirmar que: