Questão
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
2017
1ª Fase
ERA-POS-VERDADE-nova726dd9ec640
A ERA DA PÓS-VERDADE 

Uma nova palavra entrou para o léxico mundial em 2016 e fecha o ano em alta, frequentando as mais diversas bocas e páginas do mundo político e jornalístico. É a “pós-verdade”, um elegante étimo composto que pode parecer fruto da mais refinada filosofia contemporânea, mas não vai muito além de “tucanar” a mentira, naquele antigo e consagrado sentido de falar difícil, com sotaque tecnocrático, o que pode ser dito de forma simples e direta. 

A “pós-verdade” despontou para a fama graças ao Dicionário Oxford, editado pela universidade britânica, que anualmente elege uma palavra de maior destaque na língua inglesa. Oxford definiu a acepção e mostrou a evolução do termo, observando que ele não foi cunhado neste annus horribilis da história humana, mas seu uso cresceu 2.000% nele. O Google registra mais de 20,2 milhões de citações em inglês, 11 milhões em espanhol e 9 milhões em português, uma ideia de seu sucesso. 

Na definição britânica, “pós-verdade” é um adjetivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. 

Não seria então, exatamente, o culto à mentira, mas a indiferença com a verdade dos fatos. Eles podem ou não existir, e ocorrer ou não da forma divulgada, que tanto faz para os indivíduos. Não afetam os seus julgamentos e preferências consolidados. 

No Brasil, aliás, a “pós-verdade” é a linguagem da moda na política e não ocorre apenas nos delírios fundamentalistas. Como vários parlamentares admitiram, Dilma Rousseff não cometeu nenhum crime de responsabilidade na Presidência da República, condição indispensável para o impeachment, mesmo assim foi deposta pelo “conjunto da obra” e nada foi capaz de impedir. 

Na tese de The Economist, endossada pela mídia tradicional de todos os países, a “pósverdade” disseminou-se por culpa da internet e das redes sociais. “A fragmentação das fontes noticiosas criou um mundo atomizado, em que mentiras, rumores e fofocas se espalham com velocidade alarmante”, diz a revista. “Mentiras compartilhadas online, em redes cujos integrantes confiam mais uns nos outros do que em qualquer órgão tradicional de imprensa, rapidamente ganham aparência de verdade.” 

É uma visão confortável que relativiza, quando não omite totalmente, a responsabilidade da própria mídia na eclosão do fenômeno. Se agora vivemos o reinado da “pós-verdade”, por dedução lógica teria havido antes uma época de pura verdade na mídia, na qual os cidadãos podiam confiar cegamente. Ignora-se em que parte do planeta tal era gloriosa teria ocorrido, que povo foi beneficiado e quais teriam sido os seus heróis jornalísticos. 

Expostos a uma mídia que cultiva o pensamento único, os brasileiros não têm essa opção. Não encontram uma segunda opinião para acreditar, visto que a prática basilar do jornalismo, de sempre ouvir o “outro lado” nos assuntos apurados, faz tempo que entrou em desuso por aqui. 

Não é pelo excesso de versões, portanto, senão pelo seu exato oposto, que a opinião pública nacional desacredita dos fatos e se nutre de factoides imaginários, cevados na ignorância e no preconceito. A “pós-verdade” talvez expresse, no plano da mídia, a mesma perda de credibilidade que afeta a política. Uma imprensa que se acredita “a serviço do Brasil”, “de rabo preso com o leitor”, que “faz a diferença”, que tem “tudo a ver”, padece hoje da desconfiança tanto do público de esquerda quanto daquele de direita. 

À era da “pós-verdade”, portanto, corresponde um “pós-jornalismo”. Não é mais aquele que duvida, pergunta, reflete, busca interpretar a complexidade do mundo, mas que afirma peremptoriamente, sentencia, reitera, constrói a realidade conforme os lobbies que faz ou defende. 

Na balbúrdia da vida digital, no caos informativo das redes sociais, ele é apenas uma fonte a mais de “convicções”, não uma bússola para a informação confiável. Mas, prepotente, prefere atacar o Facebook e demais distribuidores de conteúdos do que fazer a autocrítica dos próprios defeitos. 

Em meio a tudo isso, o cidadão vai desanimando. Pesquisa da empresa de tecnologia Kaspersky apurou que 73% dos usuários brasileiros de redes sociais pensam em excluir seus perfis e só não o fazem para não ficar longe dos amigos e das recordações. No mesmo estudo, global, os americanos insatisfeitos são 78%. 

O porquê da insatisfação? Todos consideram as plataformas uma perda de tempo. Estão saturados das meias-verdades e mentiras inteiras que alimentam indistintamente notícias ou delírios, em tempos obscuros de “pós-verdade”. 

Gabriel Priolli. 

Fonte: https://www.cartacapital.com.br/revista/933/a-era-da-pos-verdade [conteúdo adaptado]

O uso do termo “pós-verdade” leva a mídia tradicional à defesa 
A
de que houve, em uma determinada época, um momento de uma verdade pura. 
B
de que os cidadãos, numa determinada época, podiam confiar cegamente na mídia. 
C
de que sempre circularam meias verdades (e mentiras inteiras) em todos os tempos. 
D
de que houve jornalistas comprometidos apenas com verdades inquestionáveis. 
E
de que ela sempre produziu verdades absolutas.