Era uma vez o escritório
No futuro, as pessoas talvez tenham de recorrer ao cinema para saber como ele era
Tenho lido que uma das consequências da pandemia será o fim dos escritórios e a consolidação do home office. Se isso acontecer, quem quiser saber no futuro como eles eram terá de recorrer a filmes cuja ação se passava neles. Com o que, sem dúvida, a escolha será “Se Meu Apartamento Falasse” (1960), de Billy Wilder, com Jack Lemmon e Shirley MacLaine. Lemmon faz um funcionário de uma companhia de seguros, e MacLaine, uma ascensorista. Parte da ação acontece no gigantesco salão da empresa, com centenas de mesas dispostas a perder de vista.
A trama do filme envolve as malícias, puxadas de tapete e outras delícias da vida corporativa no século 20, em que parecia valer tudo por uma promoção — a qual, além do aumento de salário, significava trocar a mesa no salão pela sala com o nome na porta e o banheiro da manada pelo toalete dos executivos.
Mesmo que por pouco tempo, todos já tivemos uma vivência de escritório. Ele nos obrigava a ficar atentos às invejas, picuinhas e ataques pelas costas. Não era um ambiente muito saudável. Para as mulheres devia ser pior ainda — além do assédio, sua avaliação pelos chefes raramente se limitava ao aspecto profissional. A partir de agora, tudo isso pode ser passado.
Se assistir ao filme de Billy Wilder, atente para o grande salão, uma criação genial do cenógrafo húngaro Alexander Trauner. Os atores e mesas nos primeiros planos são convencionais. Para enfatizar a profundidade e o volume, Trauner botou anões em mesas menores a partir do meio do salão. E, lá no fundo, os “atores” já eram recortes de papelão em miniaturas de mesas.
Esse era o problema dos escritórios. Neles, muitos funcionários se sentiam recortes de papelão.
Ruy Castro, https://www1.folha.uol.com.br/; 12.jul.2020 às 23h48. Adaptado.
Na frase “Lemmon faz um funcionário de uma companhia de seguros, e MacLaine, uma ascensorista”, as vírgulas foram usadas para