Estou lhe escrevendo, Matilda, para lhe transmitir aquilo que a contrariedade (para não falar em indignação) me impediu de lhe dizer de viva voz. Note, é a primeira vez que isso acontece em nossos trinta e cinco anos de casados, mas é uma primeira vez que pode também ser a última. Não é ameaça. É constatação. Estou profundamente magoado com sua atitude e não sei se me recuperarei.
Tudo por causa de sua teimosia. Você insiste, contra todas as minhas ponderações, em dar a seu pai um corte de casemira inglesa como presente de aniversário. Eu já sei o que você vai me dizer: é seu pai, você gosta dele, quer homenageá-lo. Mas com casemira, Matilda. Com casemira inglesa, Matilda. Que horror, Matilda.
Raciocinemos, Matilda. Casemira inglesa, você sabe o que é isso? A lã dos melhores ovinos, Matilda. A tecnologia de um país que, afinal, deu ao mundo a Revolução Industrial. O trabalho de competentes operários. E sobretudo a tradição, a qualidade. Esse é o tecido que está em questão, Matilda. A casemira inglesa.
Há muitos aspectos nesse problema, mas quero deixar de lado tudo o que me parece menos significativo, inclusive o preço. Sim, o preço. Você sabe que sou homem de poucas posses e que um corte de tecido importado custaria bastante, mas vamos admitir que isso seja secundário, vamos omitir esse detalhe; fixemo-nos na própria casemira inglesa, Matilda.
Obs.: casemira por “casimira”, tecido fino e leve, para vestuário.
(In: Contos reunidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 15 e 16)
Sobre o acima transcrito, é correto afirmar: