“[...] Estupefato, não disse nada, não cheguei sequer a soltar um grito; mas, ao cabo de algum tempo, que foi breve, perguntei quem era e como se chamava: curiosidade de delírio.
- Chama-me Natureza ou Pandora; sou tua mãe e tua inimiga.
Ao ouvir esta última palavra, recuei um pouco, tomado de susto. A figura soltou uma gargalhada, que produziu em torno de nós o efeito de um tufão; as plantas torceram-se e um longo gemido quebrou a mudez das coisas externas.
Não te assuste, disse ela, minha inimizade não mata; é sobretudo pela vida que se afirma. Vives: não quero outro flagelo.
- Vivo? perguntei eu, enterrando as unhas nas mãos, como para certificar-me da existência.
- Sim, verme, tu vives. Não receies perder esse andrajo que é o teu orgulho; provarás ainda, por algumas horas, o pão da dor e o vinho da miséria. Vives: agora mesmo que ensandeceste, vives; e sea a tua consciência reouver um instante de sagacidade, tu dirás que queres viver.”
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas.
No trecho em que o personagem procura verificar se está vivo, a narração apresenta um(a)