Eu amo meu marido. De manhã à noite. Mal acordo, ofereço-lhe café. Ele suspira exausto da noite sempre maldormida e começa a barbear-se. Bato-lhe à porta três vezes, antes que o café esfrie. Ele grunhe com raiva e eu vocifero com aflição. Não quero meu esforço confundido com um líquido frio que ele tragará como me traga duas vezes por semana, especialmente no sábado.
Depois, arrumo-lhe o nó da gravata e ele protesta por consertar-lhe unicamente a parte menor de sua vida. Rio para que ele saia mais tranquilo, capaz de enfrentar a vida lá fora e trazer de volta para a sala de visitas um pão sempre quentinho e farto.
Ele diz que sou exigente, fico em casa lavando a louça, fazendo compras, e ainda por cima reclamo da vida, enquanto ele constrói o seu mundo com pequenos tijolos. E ainda que alguns destes muros venham ao chão, os amigos o cumprimentam pelo esforço de criar olarias de barro, todas sólidas e visíveis.
A mim também me saúdam por alimentar um homem que sonha com casas-grandes, senzalas e mocambos, e assim faz o país progredir. E é por isto que sou a sombra do homem que todos dizem eu amar. Deixo que o sol entre pela casa, para dourar os objetos comprados com esforço comum. Embora ele não me cumprimente pelos objetos fluorescentes. Ao contrário, através da certeza do meu amor, proclama que não faço outra coisa senão consumir o dinheiro que ele arrecada no verão. Eu peço então que compreenda minha nostalgia por uma terra antigamente trabalhada pela mulher, ele franze o rosto como se eu lhe estivesse propondo uma teoria que envergonha a família e a escritura definitiva do nosso apartamento.
(PIÑON, N. Melhores contos de Nélida Piñon. São Paulo: Global, 2014. p.163-164.)
Com base nesse texto e na prévia leitura do conto, considere as afirmativas a seguir.
I. Ao evocar “senzalas e mocambos”, a narradora evidencia que sua condição dentro do lar é semelhante à de escravos, pois está ali para servir à figura de um senhor, neste caso, seu marido.
II. Educada em uma cultura patriarcal, a personagem demonstra ter consciência de ser “a sombra do homem que todos dizem eu amar” e questiona sua posição de subordinação, porém se mostra incapaz de se desvencilhar de sua realidade.
III. Na contramão dos tempos atuais, em “I love my husband”, a escritora Nélida Piñon admite que homens e mulheres devem realizar tarefas distintas: eles são os provedores materiais, e elas, as responsáveis pela administração do espaço doméstico.
IV. Cansada da dependência masculina, de um marido insensível e machista, a personagem passa a assumir uma posição ativa no âmbito conjugal e constitui exemplo na luta pelo direito de igualdade entre homens e mulheres.
Assinale a alternativa correta.