FUGA
De repente você resolve: fugir.
Não sabe para onde nem como nem por quê
(no fundo você sabe a razão de fugir; nasce
com a gente).
É preciso fugir.
Sem dinheiro sem roupa sem destino.
Esta noite mesmo.
Quando os outros estiverem dormindo.
Ir a pé, de pés nus.
Calçar botina era acordar os gritos
que dormem na textura do soalho.
Levar pão e rosca para o dia.
Comida sobra em árvores infinitas,
do outro lado do projeto:
um verdor eterno, frutescente (deve ser).
(...)
Fugir agora ou nunca.
Vão chorar, vão esquecer você?
ou vão lembrar-se?
(lembrar é que é preciso,
compensa toda fuga)
ou vão amaldiçoá-lo, pais da bíblia?
Você não vai saber.
Você não volta nunca.
(essa palavra nunca, deliciosa)
Se irão sofrer, tanto melhor.
Você não volta nunca nunca nunca.
(...)
ANDRADE, Carlos Drummond. Alguma poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013 (p. 50-51).
Uma das características da poesia modernista é a construção de vozes paralelas à voz do eu lírico, sendo que, na música, "fuga" é uma composição de vários tons simultâneos dentro de um tema único, segundo o Dicionário Aulete. Considerando essas afirmações, o poema Fuga: