Fragmento de O Guarani
O sol vinha nascendo.
O seu primeiro raio espreguiçava-se ainda pelo céu anilado, e ia beijar as brancas nuvenzinhas que corriam ao seu encontro.
Apenas a luz branda e suave da manhã esclarecia a terra e surpreendia as sombras indolentes que dormiam sob as copas das árvores.
Era a hora em que o cacto, a flor da noite, fechava o seu cálice cheio das gotas de orvalho com que destila o seu perfume, temendo que o sol crestasse a alvura diáfana de suas pétalas.
Cecília com a sua graça de menina travessa corria sobre a relva ainda úmida colhendo uma gracíola azul que se embalançava sobre a haste, ou um malvaísco que abria os lindos botões escarlates.
Tudo para ela tinha um encanto inexprimível; as lágrimas da noite que tremiam como brilhantes das folhas das palmeiras; a borboleta que ainda com as asas entorpecidas esperava o calor do sol para reanimar-se; a viuvinha que escondida na ramagem avisava o companheiro que o dia vinha raiando:
tudo lhe fazia soltar um grito de surpresa e de prazer. Enquanto a menina brincava assim pela várzea, Peri, que a seguia de longe, parou de repente tomado por uma ideia que lhe fez correr pelo corpo um calafrio; lembrava-se do tigre.
De um pulo sumiu-se numa grande moita de arvoredo que se elevava a alguns passos; ouviu-se um rugido abafado, um grande farfalhar de folhas que se espedaçavam, e o índio apareceu. Cecília tinha-se voltado um pouco trêmula:
- Que é isto, Peri?
- Nada, senhora.
- É assim que prometeste estar quieto?
- Ceci não há de se zangar mais.
- Que queres tu dizer?
- Peri sabe! Respondeu o índio sorrindo
Na véspera tinha provocado uma luta espantosa para domar e vencer um animal feroz, e deitá-lo submisso e inofensivo aos pés da moça, julgando que isso lhe causava um prazer.
Agora estremecendo com o susto que sua senhora podia sofrer, destruíra em um instante essa ação de heroísmo, sem proferir uma palavra que a revelasse. Bastava que ele soubesse o que tinha feito, e o que todos deviam ignorar; bastava que sua alma sentisse o orgulho da nobre dedicação que se expandia no sorriso de seus lábios.
ALENCAR, José de. Literatura comentada. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p.60-61.
a) A partir da leitura do Texto I, determine o estilo de época a que ele pertence, destacando dois aspectos que confirmem a sua resposta.
b) Indique a figura de linguagem presente no seguinte trecho de O Guarani: “O sol vinha nascendo. / O seu primeiro raio espreguiçava-se ainda pelo céu anilado, e ia beijar as brancas nuvenzinhas que corriam ao seu encontro”.