GENOCÍDIO
( crianças batem palmas nos portões )
tem pão velho ?
não, criança
tem o pão que o diabo amassou
tem sangue de índios nas ruas
e quando é noite
a lua geme aflita
por seus filhos mortos.
tem pão velho ?
não, criança
temos comida farta em nossas mesas
abençoada de toalhas de linho, talheres
temos mulheres servis, geladeiras
automóveis, fogão
mas não temos pão.
tem pão velho ?
não, criança
temos asfalto, água encanada
super-mercados, edifícios
temos pátria, pinga, prisões
armas e ofícios
mas não temos pão.
tem pão velho ?
não, criança
tem sua fome travestida de trapos
nas calçadas
que tragam seus pezinhos
de anjo faminto e frágil
pedindo pão velho pela vida
temos luzes sem alma pelas avenidas
temos índias suicidas
mas não temos pão.
tem pão velho ?
não, criança
temos mísseis, satélites
computadores, radares
temos canhões, navios, usinas nucleares
mas não temos pão.
tem pão velho ?
não, criança
tem o pão que o diabo amassou
tem sangue de índios nas ruas
e quando é noite
a lua geme aflita
por seus filhos mortos.
tem pão velho ?
Marinho, Emmanuel. Margem de papel. Manuscrito, Dourados, 1994.
O poema “Genocíndio”, escrito pelo poeta douradense Emmanuel Marinho, refere-se à situação das crianças índias da Reserva Indígena de Dourados. O pedido que as crianças índias fazem à porta das casas — “tem pão velho?” — é recorrente, invariável como um chavão, toda a população da cidade o conhece e o identifica. Contudo, ele poderia ser formulado de inúmeras outras formas.
A formulação, como se apresenta, “tem pão velho?”, significa que.