I.
“Faz muito calor durante o dia. Sobre a tarde cigarras destarracham. De noite ninguém consegue parar. Chuva que anda por vir está se arrumando no bojo das nuvens. Passarinho já compreendeu, está quieto no galho. Os bichos de luz assanharam. Mariposas cobrem as lâmpadas. Entram na roupa. Batem tontas nos móveis. Suor escorre no rosto. Todos sentem um pouco na pele os prelúdios da chuva. Um homem foi recolher a carne estendida no tempo, — e na volta falou — Do lado da Bolívia tem barrado preto. Hoje ele chove!
(Livro de Pré-coisas, p.30).
II.
Agora se me permite
minha vez de perguntar:
como senhora, comadre,
pode manter o seu lar?
— Vou explicar rapidamente,
logo compreenderá:
como aqui a morte é tanta,
vivo de a morte ajudar.
— E ainda se me permite
que volte a perguntar:
é aqui uma profissão
trabalho tão singular?
— É, sim, uma profissão,
e a melhor de quantas há:
sou de toda a região
rezadora titular.
— E ainda se me permite
mais outra vez indagar:
é boa essa profissão
em que a comadre ora está?
— De um raio de muitas léguas
vem gente aqui me chamar
a verdade é que não pude
queixar-me ainda de azar”.
(Morte e Vida Severina, p.38)
III.
“— Boiada boa!... — proclama o Major, zarpando.
— Burrico miserável!... — desabafa João Manico, cravando as esporas nos vazios de Sete-de-ouros, que
abana a cabeça, amolece as orelhas, e arranca, nada macio, no seu viageiro assendeirado, de ângulo
escasso, pouca bulha e queda pronta.
Caniço magro, com um boné de jóquei no crânio lá vai Francolin, logo atrás do Major.
— Eh, boi!... Eh, boi...
E, ao trompear intercandente do berrante, já ecoam as canções:
'O Curvelo vale um conto,
Cordisburgo um conto e cem.
Mas as Lages não têm preço,
Porque lá mora meu bem...”
(O Burrinho Pedrês” In: Sagarana, p.25)
Sobre o trecho III, podemos afirmar: