O LUTADOR
Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos mal
rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
num dia de vida.
Deixam-se enlaçar,
tontas à carícia
e súbito fogem
e não há ameaça
e nem há sevícia
que as traga de novo
ao centro da praça.
Insisto, solerte.
Busco persuadi-las.
Ser-lhes-ei escravo
de rara humildade.
Guardarei sigilo
de nosso comércio.
Na voz, nenhum travo
de zanga ou desgosto.
Sem me ouvir deslizam,
perpassam levíssimas
e viram-me o rosto.
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue...
Entretanto, luto.
[...]
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Record,1988. p.182-185.
REDIJA um texto, explicando como a nova perspectiva da arte do século XX, referida por Gombrich, está exemplificada no poema “O LUTADOR”, de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1942.