Leia, atentamente, o poema “Adormecida”, de Castro Alves, e o fragmento extraído do romance O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz, para responder à questão proposta.
Texto III
Adormecida
Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.
'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.
De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras,
Iam na face trêmulos - beijá-la.
Era um quadro celeste!...A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...
Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!
E o ramo ora chegava ora afastava-se...
Mas quando a via despeitada a meio,
Pra não zangá-la... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...
Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida :
“Ó flor! - tu és a virgem das campinas!
“Virgem! - tu és a flor de minha vida!...
ALVES, Castro. Espumas Flutuantes. São Paulo: Círculo do Livro, 1947, p. 77-78
Texto IV
“Ameliazinha do meu coração, (escrevia ele) não posso atinar com as razões maiores que a não deixaram responder ao bilhetinho que lhe dei em casa da senhora sua mamãe; pois que era pela muita necessidade que tinha de lhe falar a sós, e as minhas intenções eram puras, e na inocência desta alma que tanto lhe quer bem e que não medita o pecado.
Deve ter compreendido que lhe voto um fervente afeto, e pela sua parte me parece (se não me enganam os meus olhos que são os faróis da minha vida, e como a estrela do navegante) que também tu, minha Ameliazinha, tens inclinação por quem tanto te adora; pois que até outro dia, quando o Líbano quinou com os seis primeiros números, e que todos fizeram tanta algazarra, tu apertaste-me a mão por baixo da mesa com tanta ternura, que até pareceu que o céu se abria e que eu sentia os anjos entoarem o Hossana! Por que não respondeste pois? Se pensas que o nosso afeto pode ser desagradável aos nossos anjos da guarda, então te direi que maior pecado cometes trazendo-me nesta incerteza e tortura, que até na celebração da missa estou sempre com o pensar em ti, e nem me deixa elevar a minha alma no divino sacrifício. Se eu visse que este mútuo afeto era obra do tentador, eu mesmo te diria: oh, minha bem amada filha, façamos o sacrifício a Jesus, para lhe pagar parte do sangue que derramou por nós! Mas eu tenho interrogado a minha alma e vejo nela a brancura dos lírios. E o teu amor também é puro como a tua alma, que um dia se unirá à minha, entre os coros celestes, na bem-aventurança. Se tu soubesses como eu te quero, querida Ameliazinha, que até às vezes me parece que te podia comer aos bocadinhos! Responde pois e dize se não te parece que poderia arranjar-se a vermo-nos no Morenal, pela tarde. Pois eu anseio por te exprimir todo o fogo que me abrasa, bem como falar-te de coisas importantes, e sentir na minha mão a tua que eu desejo que me guie pelo caminho do amor, até aos êxtases duma felicidade celestial. Adeus, anjo feiticeiro, recebe a oferta do coração do teu amante e pai espiritual, Amaro”
QUEIROZ, Eça de. O Crime do Padre Amaro. São Paulo: Ática, 1991, p.92-93.
Com base na leitura do poema “Adormecida” e do fragmento extraído do romance “O Crime do Padre Amaro”, é possível estabelecer pontos de contacto entre as duas mulheres mencionadas nos textos? Comprove a sua resposta, a partir de versos do poema e de elementos da história narrada no romance em questão. O poema e a carta transcritos acima podem ser um apoio para a elaboração de sua resposta.