E foi na intersecção sufocante dessa malha densa e perversa que a população humilde da cidade viu reduzirem-se a sua condição humana e sua capacidade de sobrevivência ao mais baixo nível. A equação dessas injunções, vistas pelo seu ângulo, traduzia-se em opressão, privação, aviltamento e indignidade ilimitadas. Sua reação, portanto, não foi contra a vacina, mas contra a história. Uma história em que o papel que lhes reservaram pareceu-lhes intolerável e que eles lutaram para mudar.
SEVCENKO, N. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 88
O “povo da cidade” aprendeu a conviver intimamente com a desgraça coletiva, despontando com isto um senso de solidariedade em escala nunca vista anteriormente. O abatimento e a luta contra a peste provocaram mais que a reação coletiva, a reorganização do cotidiano, o repensar da vida individual e coletiva, a liberação dos medos e fantasias.
BERTOLLI FILHO, C. A Gripe Espanhola em São Paulo, 1918: epidemia e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 365.