Questão
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
2024
Fase Única
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Discursiva
Leia o ensaio “Olhar à direita!”, do neurologista Oliver Sacks, para responder à questão.

A sra. S., uma sexagenária muito inteligente, sofreu um grave derrame que afetou as porções mais profundas e posteriores de seu hemisfério cerebral direito. Permaneceram perfeitamente preservados sua inteligência e seu senso de humor.

Às vezes ela reclama que as enfermeiras não puseram a sobremesa ou o café em sua bandeja. Quando elas replicam: “Mas sra. S., está bem aqui, à esquerda”, ela parece não entender o que estão dizendo e não olha para a esquerda. Se sua cabeça for delicadamente virada de modo que a sobremesa fique à vista, na metade preservada de seu campo visual, ela diz: “Ah, está aqui — não estava antes”. Ela perdeu por completo a ideia de “esquerda”, tanto com relação ao mundo como a seu próprio corpo. Às vezes ela se queixa de que as porções que lhe servem são pequenas demais, mas isso acontece porque ela só come o que está na metade direita do prato — não lhe ocorre que existe também a metade esquerda. Há ocasiões em que ela passa batom e faz a maquiagem no lado direito do rosto, deixando às traças o lado esquerdo. É quase impossível tratar problemas assim, pois sua atenção não pode ser atraída para eles, e ela não pode perceber o que está errado. Ela sabe disso intelectualmente, consegue entender e acha graça; mas é impossível sabê-lo diretamente.

Sabendo intelectualmente, sabendo por inferência, ela desenvolveu estratégias para lidar com sua impercepção. Ela não pode olhar para a esquerda diretamente, não pode virar à esquerda, portanto o que faz é virar para a direita — até completar um círculo. Por isso, ela pediu, e lhe foi dada, uma cadeira de rodas giratória. E agora, se ela não consegue encontrar alguma coisa que sabe que deveria estar ali, ela vai girando para a direita, formando um círculo, até que o que ela deseje fique à vista. A sra. S. descobriu que isso tem excelentes resultados quando não consegue encontrar o café ou a sobremesa. Pareceria muito mais simples para ela girar o prato em vez de a si mesma. Ela concorda, e já tentou fazer isso — ou pelo menos tentou fazer a tentativa. Mas é estranhamente difícil.

Especialmente consternador para ela foi a zombaria com que a receberam no dia em que apareceu com apenas metade do rosto maquiado e o outro lado sem batom e ruge. “Olhei no espelho e passei a maquiagem em tudo o que vi”, disse ela. Ficamos imaginando se seria possível ela ter um “espelho” que lhe permitisse enxergar o lado esquerdo do rosto à direita, ou seja, como ela seria vista por alguém que estivesse diante dela. Tentamos um sistema de vídeo, com a câmera e o monitor de frente para ela, e os resultados foram espantosos e bizarros. Pois, usando a tela do vídeo com o “espelho”, ela via o lado esquerdo do rosto à sua direita, uma experiência desnorteante até mesmo para uma pessoa normal (como bem sabe qualquer um que tenha tentado barbear-se usando uma tela de vídeo), e duplamente desnorteante, antinatural para ela, porque o lado esquerdo de seu rosto e corpo, que ela agora via, não tinha sensações, não tinha existência para ela devido ao derrame. “Tirem isso daqui!”, ela gritou, aflita e perplexa, e por isso não levamos avante a tentativa. Isso é lamentável, pois poderia haver grandes promessas nessas formas de feedback por vídeo para esses pacientes. 

(Oliver Sacks. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu e outras histórias clínicas, 1997. Adaptado.)

a) Cite uma expressão coloquial empregada pelo autor no segundo parágrafo. Qual o sentido dessa expressão no texto?

b) Identifique os referentes dos dois pronomes sublinhados no início do último parágrafo do texto.