Leia o ensaio “Os peixinhos de ouro do coronel Buendía”, de Nuccio Ordine
Permitam que eu me atenha por um momento a um romance que fez sonhar várias gerações de leitores. Penso em Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez. Na lúcida loucura de Aureliano Buendía é possível reencontrar, talvez, a fértil inutilidade da literatura. Recluso em sua oficina secreta, de fato, o coronel revolucionário fabrica peixinhos de ouro em troca de moedas de ouro, que depois serão fundidas para produzir novamente outros peixinhos. Círculo vicioso que não escapa às críticas de Úrsula, aos olhos afetuosos da mãe preocupada com o futuro do filho: “Com o seu incrível senso prático, ela não podia entender o comércio do coronel, que trocava os peixinhos por moedas de ouro, e em seguida trans- formava as moedas de ouro em peixinhos, e assim sucessivamente, de modo que tinha que trabalhar cada vez mais à medida que vendia, para satisfazer um círculo vicioso exasperante. Na verdade, o que interessava a ele não era o negócio e sim o trabalho.”
De resto, é o próprio coronel que confessa que “os seus únicos momentos felizes, desde a tarde remota em que seu pai o levara para conhecer o gelo, aconteceram na oficina de ourivesaria, onde passava o tempo armando peixinhos de ouro”: “Tivera que promover trinta e duas guerras, e tivera que violar todos os seus pactos com a morte e fuçar como um porco na estrumeira da glória, para descobrir com quase quarenta anos de atraso os privilégios da simplicidade.”
Sobre esta simplicidade, motivada apenas por uma autêntica alegria e distante de qualquer desejo de lucro, funda-se provavelmente o ato criativo que dá vida àquilo que chamamos literatura.
Um ato gratuito, sem uma finalidade precisa, e capaz de escapar de toda lógica comercial. Inútil, portanto, porque não pode ser monetizado. Mas necessário para expres- sar com a sua própria existência um valor alternativo à supremacia das leis do mercado e do lucro.
(Nuccio Ordine. A utilidade do inútil: um manifesto, 2016.)
a) O que é “círculo vicioso”? Por que a atividade do coronel é chamada pelo autor de “círculo vicioso”?
b) Cite duas expressões paradoxais empregadas pelo autor no primeiro parágrafo.