Leia o fragmento a seguir do conto "Uma galinha", de Laços de Família (1960), de Clarice Lispector.
Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beirai de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre.
Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se poderia contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma''.
Considerando as questões de gênero, tão em voga na atualidade, mas muito antecipadas pela escrita intimista de Clarice Lispector, como pode ser a Galinha - protagonista do conto - compreendida num aspecto sociocultural?