Leia o poema a seguir, de Noémia de Sousa (1926-2002)
O homem morreu na terra do algodão
Ao Fonseca Amaral
Na terra do algodão
a vida foi no sangue jorrado
da boca em rictos de amargura
e desilusão
a vida foi-se no sangue jorrado...
Mas o algodão continuou
a florir todos os anos em beleza e brancura...
suas leves nuvens sedosas
ainda mais brancas se tornaram,
mais brancas que a lua
brancas, cruelmente brancas, de brancura luminosa e pura,
sem mistura...
A vida foi-se no sangue jorrado...
E nem o sangue jorrado
veio tingir num grito de revolta e dor
a brancura tão pura
das nuvenzinhas de algodão!
Nem o sangue jorrado...
Toda a noite, todo o dia
o vento passa
e repassa
sonolento e pesado calor
abanando com doçura
a cabeça macia
das alvas plantas de algodão...
E nem o sangue jorrado...
Mas vem aí a madrugada,
vem aí o sol sangrento da madrugada
entornar o vermelho forte do sangue dos homens bons
sobre a terra amaldiçoada dos tiranos...
E as bolas macias do algodão
vão embeber-se todas, com volúpia;
Do vermelho do sangue jorrado
da boca do homem que morreu escravizado
na terra negra do algodão...
E vão ficar rubras, rubras, em sangue ensopadas,
as nuvenzinhas brancas, brancas do algodão!
E falarão
da escravidão sem fim dos homens bons
de rosto inocente e cabeças vergadas
que morreram assassinados na terra do algodão!
26/06/1949
SOUSA, Noémia de. Sangue negro. São Paulo: Kapulana, 2016 (p. 88-89).
O eu lírico descreve uma dura rotina em que o homem