Questão
Simulado UNESP
2021
Fase Única
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Leia o poema “O profissional da memória” de João Cabral de Melo Neto (1920-1999).

O PROFISSIONAL DA MEMÓRIA

Passeando presente dela 
pelas ruas de Sevilha,
imaginou injetar-se
lembranças, como vacina,

para quando fosse dali
poder voltar a habitá-las,
uma e outras, e duplamente,
a mulher, ruas e praças.

Assim, foi entretecendo
entre ela, e Sevilha fios
de memória, para tê-las
num só e ambíguo tecido;

foi-se injetando a presença
a seu lado numa casa,
seu íntimo numa viela,
sua face numa fachada.

Mas desconvivendo delas,
longe da vida e do corpo,
viu que a tela da lembranças
e foi puindo pouco a pouco;

já não lembrava do que
se injetou em tal esquina,
que fonte o lembrava dela,
que gesto dela, qual rima.

A lembrança foi perdendo
a trama exata tecida
até um sépia diluído
de fotografia antiga.

Mas o que perdeu de exato
de outra forma recupera:
que hoje qualquer coisa de um
traz da outra sua atmosfera.

MELO NETO, João Cabral de. O profissional da memória. In: Museu de tudo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009 (p. 111-112).

No verso “Mas desconvivendo delas”, pode-se dizer que o emprego do termo sublinhado é semelhante em:
A
“Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto; estava amuado. No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhando-me Dom Casmurro.” (Machado de Assis –Dom Casmurro)
B
“Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas /Sofrem pros seus maridos, poder e força de Atenas /Quando eles embarcam, soldados” (Chico Buarque –Mulheres de Atenas).
C
“O essencial é saber ver, /Saber ver sem estar a pensar, /Saber ver quando se vê, /E nem pensar quando se vê /Nem ver quando se pensa.” (Alberto Caeiro –O essencial é saber ver).
D
“E como eu palmilhasse vagamente /uma estrada de Minas, pedregosa, /e no fecho da tarde um sino rouco / se misturasse ao som de meus sapatos” (Carlos Drummond de Andrade –Claro Enigma).
E
“E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se.” (Aluísio de Azevedo –O cortiço).