Questão
Universidade do Estado do Amazonas - UEA
2021
Fase Única
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Leia o primeiro capítulo do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis.

Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da Lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.

— Continue, disse eu acordando.

— Já acabei, murmurou ele.

— São muito bonitos.

Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto; estava amuado. No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhando-me Dom Casmurro. Os vizinhos, que não gostam dos meus hábitos reclusos e calados, deram curso à alcunha, que afinal pegou. Nem por isso me zanguei. Contei a anedota aos amigos da cidade, e eles, por graça, chamam-me assim, alguns em bilhetes: “Dom Casmurro, domingo vou jantar com você”. — “Vou para Petrópolis, Dom Casmurro; a casa é a mesma da Renânia; vê se deixas essa caverna do Engenho Novo, e vai lá passar uns quinze dias comigo.” — “Meu caro Dom Casmurro, não cuide que o dispenso do teatro amanhã; venha e dormirá aqui na cidade; dou-lhe camarote, dou-lhe chá, dou-lhe cama; só não lhe dou moça.”

Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando! Também não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até ao fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua. Há livros que apenas terão isso dos seus autores; alguns nem tanto.

(Dom Casmurro, 2008.)

Logo após o pequeno diálogo transcrito, a frase “Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto”
A
mostra a disposição do rapaz para respeitar o cansaço do narrador e não perturbá-lo mais, deixando que descansasse se assim preferisse.
B
ndica que o rapaz não tinha mais versos para apresentar, embora estivesse motivado pela declaração do narrador de que estaria disposto a ouvir mais.
C
revela a intenção do rapaz de agredir o narrador, desde o início oculta atrás da abordagem amistosa e da aparente disposição de apresentar seus versos.
D
apresenta os primeiros sinais da personalidade contida e reclusa do rapaz, o que acaba por justificar o apelido que viria a receber na sequência.
E
representa a contradição dos sentimentos do rapaz, que queria mostrar seus versos, mas estava magoado por causa da falta de atenção que o narrador lhe dedicara.