Leia a seguir o fragmento retirado da obra O demônio familiar, de José de Alencar.
CENA XIII - Alfredo, Azevedo
Alfredo – É raro encontrá-lo agora, Sr. Azevedo. Já não aparece nos bailes, nos teatros.
Azevedo – Estou-me habituando à existência monótona da família.
Alfredo – Monótona?
Azevedo – Sim. Um piano que toca; duas ou três moças que falam de modas; alguns velhos que dissertam sobre a carestia dos gêneros alimentícios e a diminuição do peso do pão; eis um verdadeiro tableau de família no Rio de Janeiro. Se fosse pintor faria um primeiro prix au Conservatoire des Arts.
Alfredo – E havia de ser um belo quadro, estou certo; mais belo sem dúvida do que uma cena de salão.
Azevedo – Ora, meu caro, no salão tudo é vida; enquanto que aqui, se não fosse essa menina que realmente é espirituosa, D. Carlotinha, que faríamos, senão dormir e abrir a boca?
Alfredo – É verdade; aqui dorme-se, porém sonha-se com a felicidade; no salão vive-se, mas a vida é uma bem triste realidade. Em vez de um piano há uma rabeca; as moças não falam de modas, mas falam de bailes; os velhos não dissertam sobre a carestia, mas ocupam-se com a política. Que diz deste quadro, Sr. Azevedo, não acha que também vale a pena de ser desenhado por um hábil artista, para a nossa “Academia de Belas-Artes”?
Azevedo – A nossa “Academia de Belas-Artes”? Pois temos isto aqui no Rio?
Alfredo – Ignorava?
Azevedo – Uma caricatura, naturalmente... Não há arte em nosso país.
Alfredo – A arte existe, Sr. Azevedo, o que não existe é o amor dela.
Azevedo – Sim, faltam os artistas.
Alfredo – Faltam os homens que os compreendam; e sobram aqueles que só acreditam e estimam o que vem do estrangeiro.
Azevedo (Com desdém) — Já foi a Paris, Sr. Alfredo?
Alfredo – Não, senhor; desejo, e ao mesmo tempo receio ir.
Azevedo – Por que razão?
Alfredo – Porque tenho medo de, na volta, desprezar o meu país, ao invés de amar nele o que há de bom e procurar corrigir o que é mau. [...]
ALENCAR, J. O demônio familiar. 4.ed. São Paulo: Martin Claret, 2013. p.90-92.
Com base na obra O demônio familiar, de José de Alencar, responda aos itens a seguir.
a) A cena ressalta uma temática comumente explorada por José de Alencar. Indique qual é essa temática e explique como a cena a aborda.
b) De acordo com a temática indicada no item a), aponte a personagem que mais se aproxima das concepções defendidas por Alencar. Justifique sua resposta.