Leia, a seguir, o texto extraído de "Uma noite do século", primeiro conto do livro Noite na taverna.
Uma noite do século
- Silêncio, moços! acabai com essas cantilenas horríveis! Não vedes que as mulheres dormem ébrias, macilentas como defuntos? Não sentis que o sono da embriaguez pesa negro naquelas pálpebras onde a beleza sigilou os olhares da volúpia?
- Cala-te, Johann! enquanto as mulheres dormem e Arnold-o-louro* cambaleia e adormece murmurando as canções de orgia de Tieck**, que música mais bela que o alarido da saturnal***? Quando as nuvens correm negras no céu como um bando de corvos errantes, e a lua desmaia como a luz de uma lâmpada sobre a alvura de uma beleza que dorme, que melhor noite que a passada ao reflexo das taças?
- És um louco, Bertram! não é a lua que lá vai macilenta: é o relâmpago que passa e ri de escárnio às agonias do povo que morre... aos soluços que seguem as mortualhas do cólera!
- O cólera! e que importa? Não há por ora vida bastante nas veias do homem? Não borbulha a febre ainda às ondas do vinho? Não reluz em todo o seu fogo a lâmpada da vida na lanterna do crânio?
- Vinho! vinho! Não vês que as taças estão vazias e bebemos o vácuo, como um sonâmbulo?"
*Arnold-o-louro: herói de um dos romances europeus avidamente lidos por Álvares de Azevedo. O uso desses nomes confere um "ar" europeu ao texto.
**Tieck: escritor romântico europeu.
*** Saturnal: típica festa romana em homenagem ao deus Saturno. Em tais festas, havia muita libertinagem e, no texto, tem o sentido de orgia.
(AZEVEDO, Álvares. Noite na taverna. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2000. p. 565.)
Com base no texto, é correto afirmar: