Leia o seguinte texto, “Procura da poesia”, de Carlos Drummond de Andrade.
“Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
[...]
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
[...]
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
[...]
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
[...]
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consuma
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
[...]
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave? ...”
Fonte: DRUMMOND de Andrade, Carlos. Reunião. Rio de Janeiro, José Olympio, 1974. p.76 e 77.