Leia o texto para responder à questão.
VII
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
Criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois. Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos -
O verbo tem que pegar delírio.
BARROS, Manuel de. Livro das Ignorãças. Rio de Janeiro: Record, 1997 (fragmento).
A questão a seguir foi elaborada com base na leitura de SANTOS (2011:158-161).
A respeito da análise do poema VII, de Manoel de Barros, julgue os itens e marque a alternativa CORRETA:
I. No primeiro verso do poema, o autor utiliza-se do recurso de linguagem - intertextualidade - numa abordagem parodística, porque ao empregar o prefixo des na palavra começo acaba por distorcer o sentido da assertiva bíblica: "No princípio era o verbo [...];”
II. O poeta faz referência à arte poética, ao usar o verbo "delirar", visto que o "delirar do verbo" constitui-se numa ação de dissociar o verbo/a palavra de seus lugares comuns, de modo que o ato de linguagem quebre as ligações com a sintaxe, a morfologia e a semântica convencionais;
III. Para o sujeito lírico, o poeta deve ser como a criança: livre, simples e criativo no manuseio da palavra de tal forma que possa ver o mundo através de um olhar curioso e destemido, um olhar criador;
IV. Nos versos: "O delírio do verbo estava no começo, lá onde a/Criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos”, o poeta recorre ao uso da figura de linguagem sinestesia; e ainda remete ao ofício de poetar, de fazer o verbo delirar. Isto é, o sujeito poético traz a figura da criança que constitui o expoente máximo do pensamento concreto, em função do imaginário, fonte da criação de ligações extraordinárias entre as coisas. Na infância, escutar a cor dos passarinhos é absolutamente possível. Em poesia também;
V. A literatura modernista rompe com frequência a fronteira dos gêneros, postulando a mistura entre o poema e a prosa (poema prosaico) e, também, entre a prosa e o poema (prosa poética). No poema VII, de Manoel de Barros, pode-se falar em mistura de gêneros, uma vez que o poema apresenta um enredo(característica do gênero narrativo), o diálogo - marcado pelo discurso direto - "Criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos" (característico do gênero dramático) e o lirismo (característica do gênero lírico) - visto no poema como um todo, sobretudo, no uso reiterado o verbo "delirar", que, desmembrado (de- lirar), alude à lira e ao lírico, os quais remetem à poesia, ao fazer poético e à história da poesia.