Leia o texto abaixo e responda à questão.
COMIDA: INSTRUMENTO DE DIFERENCIAÇÃO SOCIAL
Comer e beber à vontade era uma forma de exibicionismo que muitos impérios ostentavam para impor seu poder diante da sociedade e do mundo. (PERELLA e PERELLA).
A mesma cultura que une e intermedia a comunicação é a cultura que separa ao se tornar um instrumento de distinção e que legitima as diferenças.
A alimentação favorece o elitismo em sociedades igualitárias, onde diferenças de classe são disfarçadas. Da mesma forma que o vestuário é, para os estratos altos, mais do que cobrir e enfeitar o corpo, sendo uma das formas de exibição de status social, o saber beber e ter modos à mesa revela a educação e dá pistas da origem social.
Até bem pouco tempo, cozinhar era tarefa de subalternos. E quando o interesse pela culinária, despertado na classe média, foi exacerbado nos segmentos econômicos mais altos, tornou-se para muitos um atestado de prosperidade e requinte.
A diferenciação, contudo, se manteve. Cursos de haute cuisine e de enologia não são para qualquer um. São, em geral, frequentados por executivos que oferecem jantares por eles mesmos preparados, e incluem receitas e dicas de pratos e restaurantes nas suas conversas, fugindo ao monotematismo – dinheiro, dinheiro e dinheiro.
Em La distinction (1979), ao mostrar que as escolhas estéticas são prioritariamente condicionadas pela origem social, cujas normas foram profundamente interiorizadas, e pelo lócus que ocupamos na hierarquia social, Bourdieu procurou fundar as bases de uma sociologia do gosto, pois o gosto é campo privilegiado da classe dominante e de produção cultural na medida em que expressa a inserção em uma classe. Não é objeto de ensino na escola, escapando, assim, da reprodução das estratificações sociais.
Para Bourdieu, os homens estão em luta permanente em busca do prestígio e da ascensão social. A pequena burguesia é um espaço social marcado pela incerteza, um conjunto de lugares de passagem, com as trajetórias ascendentes e descendentes, nos quais se dá muita importância ao estatuto e às representações desse estatuto. Mais do que qualquer outra categoria social, a pequena burguesia procura incessantemente produzir “distinção”, graças a seu “gosto”, para diferenciar-se das categorias populares e se aproximar da burguesia propriamente dita.
Através de um estilo de vida, as pessoas ou grupo de pessoas se comportam e fazem escolhas. O estilo de vida é estabelecido pelas diferenças relativas às necessidades básicas – relativas à sobrevivência, sem as quais o homem não pode viver. A alimentação é a principal delas. Mas a maneira como uma pessoa come, os diferentes tipos de comida que escolhe, o uso de talheres e os diferentes materiais destes, a bebida que se toma para acompanhar determinado prato são indicadores de distinção no meio social. Por conseguinte, os elementos que preenchem os critérios de livre escolha, como os relativos à alimentação, assim como os estéticos, artísticos, religiosos, passam a ser significativos para a definição do estilo de vida de um determinado grupo social.
À medida que aumenta a distância às necessidades, o estilo de vida vai se tornando o produto de uma “estilização da vida”, preferência que orienta e organiza as diversas práticas cotidianas, desde a escolha de um prato, de uma bebida, até a decoração da casa, a religião a que se adere ou as opções de lazer. O gosto pode funcionar, portanto, como um elemento aglutinador dos indivíduos em grupos.
Nesse sentido, as reportagens que informam sobre os gostos que estão na moda, as pessoas que os elegem, contribuem para despertar o desejo de experimentação e adesão. E a alimentação é um deles (restaurantes, cursos de gastronomia e enologia, tipos de vinhos, utensílios culinários etc.). É preciso salientar que tais preferências são moldadas por condições concretas de vida. Gostar ou não de caviar, por exemplo, é condicionado pelo acesso que indivíduos ou grupos tenham a esta iguaria e a sensação de uma pessoa ao saboreá-lo não basta para lhe dar significado se não for feita também em referência a outros gostos em relação aos quais se diferencia. (NASCIMENTO, Angelina Bulcão. Comida: prazeres, gozos e transgressões. Ed. EDUFBA, 2007. Ed. do Kindle).
Ao final do texto, menciona-se o papel da mídia na formação/orientação dos gostos, contribuindo para despertar a vontade de se vivenciar coisas novas.