Questão
Simulado UNESP
2020
1ª Fase
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Leia o texto No restaurante, uma crônica de Carlos Drummond de Andrade, para responder à questão. 
 
– Quero lasanha. 

 Aquele anteprojeto de mulher – quatro anos, no máximo, desabrochando na ultraminissaia – entrou decidida no restaurante. Não precisava de menu, não precisava de mesa, não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria. Queria lasanha. 

 O pai, que mal acabara de estacionar o carro em uma vaga de milagre, apareceu para dirigir a operação-jantar, que é, ou era, da competência dos senhores pais. 

– Meu bem, venha cá. 

– Quero lasanha. 

– Escute aqui, querida. Primeiro, escolhe-se a mesa. 

– Não, já escolhi. Lasanha. 

Que parada – lia-se na cara do pai. Relutante, a garotinha condescendeu em sentar-se primeiro, e depois encomendar o prato: 

– Vou querer lasanha. 

– Filhinha, por que não pedimos camarão? Você gosta tanto de camarão. 

– Gosto, mas quero lasanha. 

– Eu sei, eu sei que você adora camarão. A gente pede uma fritada bem bacana de camarão. Tá? 

– Quero lasanha, papai. Não quero camarão. 

– Vamos fazer uma coisa. Depois do camarão a gente traça uma lasanha. Que tal? 

– Você come o camarão e eu como lasanha. 

O garçom aproximou-se, e ela foi logo instruindo: 

– Quero lasanha. 

O pai corrigiu: 

– Traga uma fritada de camarão pra dois. Caprichada. 

 A coisinha amuou. Então não podia querer? Queriam querer em nome dela? Por que é proibido comer lasanha? Essas interrogações apenas se liam no seu rosto, pois os lábios mantinham reserva. Quando o garçom voltou com os pratos e o serviço, ela atacou: 
   
– Moço, tem lasanha? 

– Perfeitamente, senhorita. 
 
O pai, no contra-ataque: 

– O senhor providenciou a fritada? 

– Já sim, doutor. 

– De camarões bem grandes? 

– Daqueles legais, doutor. 

– Bem, então me vê um chinite, e para ela... O que é que você quer, meu anjo? 

– Uma lasanha. 

– Traz um suco de laranja para ela. 

Com o chopinho e o suco de laranja, veio a famosa fritada de camarão, que, para a surpresa do restaurante inteiro, interessado no desenrolar dos acontecimentos, não foi recusada pela senhorita. Ao contrário, papou-a, e bem. A silenciosa manducação atestava, ainda uma vez, no mundo, a vitória do mais forte. 

– Estava uma coisa, hem? – comentou o pai, com um sorriso bem alimentado – Sábado que vem, a gente repete... Combinado?
 
– Agora a lasanha, não é, papai? 

– Eu estou satisfeito. Uns camarões tão geniais! Mas você vai comer, mesmo? 

– Eu e você, tá? 

– Meu amor, eu... 

– Tem de me acompanhar, ouviu? Pede a lasanha. O pai baixou a cabeça, chamou o garçom, pediu. Aí, um casal, na mesa vizinha, bateu palmas. O resto da sala acompanhou. O pai não sabia onde se meter. A garotinha, impassível. Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem aí, com força total, o poder ultrajovem. 
 
ANDRADE, Carlos Drummond de. Para gostar de ler – Volume 1. São Paulo: Ática, 1979. 

De acordo com o texto,
A
o termo “anteprojeto de mulher” é pejorativo.
B
o pai é firme com a filha.
C
a palavra tem o poder de persuadir.
D
o garçom foi simpático à causa da criança.
E
assim como a bebida, a criança queria o mesmo que o pai.