Questão
Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF
2024
Fase Única
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Discursiva
Leia o texto a seguir para responder à questão.

TEXTO I 

A FOME DE LITERATURA DE CAROLINA MARIA DE JESUS 

Ricardo Machado

Jeferson Tenório analisa a trajetória da escritora e intelectual negra que ultrapassou os limites da literatura 

Mais do que uma escritora, Carolina Maria de Jesus foi uma das mais importantes intelectuais negras da história recente do Brasil. Seu livro Quarto de despejo (São Paulo: Editora Veneta, 2016) vendeu mais de 100 mil cópias ainda na década de 1960, ultrapassando escritores mais conhecidos midiaticamente, como Clarice Lispector e Jorge Amado. [...] 

Para tratar sobre Carolina Maria de Jesus e sua obra, Jeferson Tenório concedeu entrevista, por e-mail, à Revista do Instituto Humanitas Unisinos (IHU On-Line). Jeferson Tenório nasceu no Rio de Janeiro, em 1977. Radicado em Porto Alegre, é mestre em literaturas luso-africanas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. 

[...] 

Confira a entrevista. 

IHU On-Line – Quem foi Carolina Maria de Jesus? 

Jeferson Tenório – Difícil responder essa pergunta. Carolina é inclassificável. Quanto mais leio a seu respeito, menos certezas tenho de sua personalidade. É o que consigo dizer sobre quem foi ela. Carolina carregou um universo dentro de si, portanto é difícil resumi-la numa catadora de papel que decidiu gastar a vida escrevendo. Ela não é só uma semianalfabeta esfomeada. Carolina tinha fome de literatura. 

IHU On-Line – Como o texto de uma mulher, negra e pobre, conseguiu ter o alcance que teve e ser traduzido para tantos idiomas? Como isso se tornou possível em um país com tantas marcas escravocratas? 

Jeferson Tenório – Carolina Maria de Jesus é sem dúvida um marco na história da literatura contemporânea brasileira. Para tanto, não se pode desvincular o contexto social, econômico e político da época de sua produção. Estamos no período de JK , o presidente “Bossa nova” e desenvolvimentista. São Paulo inicia seu processo de “higienização” em busca do progresso, ou seja, começa a remoção dos pobres das áreas centrais. Um desses espaços foi o que é hoje o parque do Ibirapuera. Para ter uma ideia, foram desalojadas cerca de 200 famílias em questão de meses. Muitas dessas pessoas foram “despejadas” na recém-formada favela do Canindé, local onde Carolina Maria de Jesus já residia com seus filhos. O livro mais conhecido dela, Quarto de despejo, foi tido, na época, como um retrato fiel da favela, isto é, não foi considerado literatura propriamente dita. 

[...] 

Agora, é curioso como as pessoas aqui no Brasil se surpreendem com o fato de uma escritora como Carolina ter surgido. Ora, num país em que mais da metade da população é composta por negros, é de se esperar que em algum momento surjam literaturas como a de Carolina, pelo menos essa é a lógica de quem olha de fora e talvez por isso a obra de Carolina seja tão estudada no exterior. No entanto, o Brasil sempre foi um país racista e que procurou de todas as formas embranquecer-se, e isso, de certo modo, produz esse espanto todo diante de uma figura como Carolina. 

[...] 

IHU On-Line – Como a fome urbana e negra está manifesta nos escritos de Carolina de Jesus?
 
Jeferson Tenório – Essa é uma questão que sempre aparece quando lemos Quarto de despejo. [...] Mas é uma leitura superficial acharmos que Carolina tinha fome apenas de comida. Carolina tinha uma fome existencial, refletia sobre a vida, sobre o suicídio, sobre comportamentos mediados por uma linguagem lírica e seca.

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Fonte: https://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/7173-a-fome-de-literatura-de-carolina-maria-de-jesus. Acesso em 18 jun de 2023.


O que significa dizer que Carolina Maria de Jesus é “inclassificável”? Explicite quais justificativas Jeferson Tenório utilizou para embasar essa afirmação.