Leia o texto a seguir, de Bruno Garattoni e Eduardo Szklarz.
A síndrome de Havana
Os EUA reconheceram publicamente a síndrome em maio de 2017, mas tomaram medidas bem antes disso. Entre fevereiro e abril daquele ano, o Departamento de Estado submeteu 80 funcionários da embaixada de Havana a uma bateria de exames. Desse total, 24 apresentaram sintomas típicos de uma concussão (pancada leve na cabeça). Em julho, um comitê de especialistas convocados pelo governo concluiu que os estranhos sinais provavelmente se relacionassem com um trauma neurológico decorrente de “uma fonte não natural”. E recomendou uma investigação mais profunda, que seria feita nos meses seguintes por médicos da Universidade da Pensilvânia.
O governo cubano formou um comitê de médicos e cientistas. Como eles não puderam examinar os diplomatas americanos, entrevistaram vizinhos e empregados deles, aplicando-lhes testes de audiometria. Seu veredicto foi “transtorno psicogênico coletivo”, ou seja, histeria coletiva devida ao estresse. Vários cientistas americanos concordaram com essa teoria. Entre eles, o neurologista Stanley Fahn, da Universidade Columbia. “Certamente pode ser tudo psicogênico”, declarou à revista Science.
Os pesquisadores cubanos também rejeitaram a hipótese de ataque acústico, com base nas leis da física. “Para afetar alguém [disparando] de fora de uma sala, uma arma sônica teria que emitir som acima de 130 decibéis”, afirmou o médico cubano Manuel Kuscevic, líder da investigação. Equivaleria ao rugido de quatro turbinas de avião, na rua, bem em frente ao alvo.
Ok. Mas será que o estresse, por si só, poderia causar efeitos como aqueles em dezenas de funcionários em tão pouco tempo?
Alguns diplomatas sequer se conheciam. Será, então, que eles poderiam ter sido vítimas de alguma arma desconhecida?
Essa hipótese começou a ganhar força em março de 2018, quando os médicos da Universidade da Pensilvânia publicaram suas conclusões. “Esses indivíduos parecem ter sofrido lesões em redes cerebrais”, concluiu o estudo. Os autores não identificaram a causa das lesões, mas especularam que poderia ser “uma fonte de energia desconhecida, associada a fenômenos auditivos e sensoriais”.
Os 21 participantes fizeram testes de cognição, audição, funções vestibulares (relacionadas ao equilíbrio do corpo) e exames de neuroimagem. Do total, 86% relataram ter ouvido um som muito alto em suas residências ou quartos de hotel.
Em novembro de 2018, a médica Beatrice Golomb, professora da Universidade da Califórnia em San Diego, publicou um estudo propondo a tese de ataques com micro-ondas e apresentando seis argumentos que sustentam a possibilidade. “Todas essas características são esperadas em se tratando de radiofrequência”, diz Golomb, que também é física. Segundo ela, as micro-ondas teriam causado lesões cerebrais nos diplomatas por meio do chamado “estresse oxidativo”, um desequilíbrio entre a produção de radicais livres e as defesas do corpo.
Radicais livres são átomos ou moléculas que possuem um elétron a mais que o normal. O estresse oxidativo acontece quando há um excesso de radicais livres, que o corpo não consegue conter (eles danificam o DNA das células, o que causa vários problemas). Esse desequilíbrio pode ser provocado por fatores externos, incluindo poluição, drogas e radiação eletromagnética de alta potência. Um ataque com micro-ondas, portanto, se encaixa nessa teoria.
Mas e o som que os diplomatas escutaram? Talvez não tenha sido um som. Há décadas os cientistas sabem que as micro- ondas podem enganar o cérebro, fazendo-o acreditar que está ouvindo ruídos. É o “efeito auditivo das micro-ondas”, também conhecido como efeito Frey – alusão ao cientista americano Allan H. Frey, que publicou os primeiros estudos sobre o fenômeno nos anos 1960. Num deles, Frey demonstrou que as micro-ondas poderiam induzir a percepção de sons a centenas de metros da antena, inclusive em pessoas surdas.
O sinal tem que ser forte: para provocar o efeito Frey, você precisa despejar 80 mW/cm na cabeça da vítima (80 miliwatts a cada centímetro quadrado da superfície da cabeça). Isso é 15 mil vezes mais do que a radiação eletromagnética normal, gerada por celulares e roteadores Wi-Fi (mas não se compara, caso você esteja curioso, à potência dos fornos micro-ondas, que irradiam até 1.000 watts sobre a comida, para esquentá-la). Um ataque do tipo certamente causaria grande interferência em redes sem fio, despertando suspeitas. Porém, se ele for executado de madrugada e os disparos não forem contínuos, mas pulsados, fica bem mais difícil de detectar.
Dependendo da intensidade dos pulsos de micro-ondas, diz o engenheiro elétrico James Lin, professor da Universidade de Illinois, a onda de choque pode causar lesões auditivas e neurológicas. Ele considera “plausível” que a Síndrome de Havana tenha sido causada por ataques do tipo.
Essa também é a conclusão do relatório da Academia Nacional de Ciências dos EUA, assinado por um comitê de 19 cientistas liderados por David A. Relman, professor de Medicina da Universidade Stanford. “Muitos dos sintomas crônicos são consistentes com efeitos conhecidos da RF (radiofrequência), como tontura, dor de cabeça, cansaço, náusea, ansiedade, déficit cognitivo e perda de memória”, afirma o documento.
Se isso de fato tiver ocorrido, não terá sido a primeira vez. Os ataques com micro-ondas são conhecidos desde os tempos da Guerra Fria, e já foram investigados com um objetivo ainda mais surreal: plantar vozes na cabeça das pessoas.
Adaptado de: Superinteressante, maio de 2021.
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