Questão
Universidade Cidade de São Paulo - UNICID
2019
Fase Única
VER HISTÓRICO DE RESPOSTAS
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Leia o trecho do capítulo XXV do romance Iracema, de José de Alencar, para responder a questão:

A alegria ainda morou na cabana todo o tempo que as espigas de milho levaram a amarelecer.

Uma alvorada, caminhava o cristão [Martim] pela borda do mar. Sua alma estava cansada.

O colibri sacia-se de mel e perfume; depois adormece em seu branco ninho de cotão¹, até que volta no outro ano a lua das flores. Como o colibri, a alma do guerreiro também satura-se de felicidade e carece de sono e repouso.

A caça e as excursões pela montanha em companhia do amigo [Poti], as carícias da terna esposa que o esperavam na volta e o doce carbeto² no copiar da cabana já não acordavam nele as emoções de outrora. Seu coração ressonava.

Quando Iracema brincava pela praia, os olhos do guerreiro retiravam-se dela para se estenderem pela imensidade dos mares.

Viram umas asas brancas que adejavam pelos campos azuis. Conheceu o cristão que era uma grande igara³ de muitas velas, como construíam seus irmãos; e a saudade da pátria apertou-lhe no seio.

Alto ia o sol; e o guerreiro na praia seguia com os olhos as asas brancas que fugiam. Debalde a esposa o chamou à cabana, debalde ofereceu a seus olhos as graças dela e os frutos melhores do campo. Não se moveu o guerreiro, senão quando a vela sumiu-se no horizonte.

Poti voltou da serra, onde pela primeira vez fora só. Tinha deixado a serenidade na fronte de seu irmão e achava ali a tristeza. Martim saiu-lhe ao encontro:

– A igara grande do branco tapuia⁴ passou no mar. Os olhos de teu irmão a viram, que voava para as margens do Mearim, aliados dos tupinambás, inimigos de tua e minha raça.

– Poti é senhor de mil arcos; se é teu desejo, ele te acompanhará com seus guerreiros às margens do Mearim, para vencer o tapuitinga⁵ e seu amigo, o pérfido tupinambá.

– Quando for tempo, teu irmão te dirá.

Os guerreiros entraram na cabana onde estava Iracema. A maviosa canção nesse dia tinha emudecido nos lábios da esposa. Ela tecia suspirando a franja da rede materna, mai larga e espessa que a rede do himeneu.

Poti, que a viu tão ocupada, falou:

– Quando a sabiá canta, é o tempo do amor; quando emudece, fabrica o ninho para sua prole: é o tempo do trabalho.

– Meu irmão fala como a rã quando anuncia a chuva; mas a sabiá que faz seu ninho não sabe se dormirá nele.

A voz de Iracema gemia. Seu olhar buscou o esposo. Martim pensava; as palavras de Iracema passaram por ele como a brisa pela face lisa da rocha, sem eco nem rumores.

O sol brilhava sempre sobre as praias do mar, e as areias refletiam os raios ardentes; mas nem a luz que vinha do céu nem a luz que refletia da terra espancaram⁶ a sombra n’alma do cristão. Cada vez o crepúsculo era maior em sua fronte.

(Iracema, 2006.)

¹ cotão: fiapos de algodão.
² carbeto: reunião dos índios à noite em uma cabana para conversar.
³ igara: embarcação.
⁴ “branco tapuia”: nome dado aos franceses.
⁵ tapuitinga: o mesmo que “branco tapuia”.
⁶ espancar: espantar, dissipar.


O Dicionário Porto Editora da língua portuguesa define “personificação” como “figura de linguagem que consiste na atribuição de propriedades humanas a animais, seres inanimados ou entidades abstratas”. Verifica-se a ocorrência desse recurso expressivo em:
A
“Uma alvorada, caminhava o cristão [Martim] pela borda do mar” (2º parágrafo).
B
“Conheceu o cristão que era uma grande igara de muitas velas, como construíam seus irmãos” (6º parágrafo).
C
“O colibri sacia-se de mel e perfume; depois adormece em seu branco ninho de cotão” (3º parágrafo).
D
“A alegria ainda morou na cabana todo o tempo que as espigas de milho levaram a amarelecer” (1º parágrafo).
E
“Não se moveu o guerreiro, senão quando a vela sumiu-se no horizonte” (7º parágrafo).