Questão
Universidade Nove de Julho - UNINOVE
2018
Fase Única
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Leia o trecho inicial do conto “Último capítulo”, de Machado de Assis, para responder à questão.

Há entre os suicidas um excelente costume, que é não deixar a vida sem dizer o motivo e as circunstâncias que os armam contra ela. Os que se vão calados, raramente é por orgulho; na maior parte dos casos ou não têm tempo, ou não sabem escrever. Costume excelente: em primeiro lugar, é um ato de cortesia, não sendo este mundo um baile, de onde um homem possa esgueirar-se antes do cotilhão¹; em segundo lugar, a imprensa recolhe e divulga os bilhetes póstumos, e o morto vive ainda um dia ou dois, às vezes uma semana mais. 

Pois, apesar da excelência do costume, era meu propósito sair calado. A razão é que, tendo sido caipora² em minha vida toda, temia que qualquer palavra última pudesse levar- -me alguma complicação à eternidade. Mas um incidente de há pouco trocou-me o plano, e retiro-me deixando, não só um escrito, mas dois. O primeiro é o meu testamento, que acabo de compor e fechar, e está aqui em cima da mesa, ao pé da pistola carregada. O segundo é este resumo de auto biografia. E note-se que não dou o segundo escrito senão porque é preciso esclarecer o primeiro, que pareceria absurdo ou ininteligível, sem algum comentário. Disponho ali que, vendidos os meus poucos livros, roupa de uso e um casebre que possuo em Catumbi, alugado a um carpinteiro, seja o produto empregado em sapatos e botas novas, que se distribuirão por um modo indicado, e confesso que extraordinário. Não explicada a razão de um tal legado, arrisco a validade do testamento. Ora, a razão do legado brotou do incidente de há pouco, e o incidente liga-se à minha vida inteira. 

(Contos: uma antologia, 1998.) 

¹cotilhão: estilo antigo de dança que, costumeiramente, encerrava o baile.

²caipora: pessoa que involuntariamente traz azar a si ou a outra pessoa.

O que motiva a narrativa autobiográfica que se anuncia é
A
a aprovação do narrador aos bilhetes que precedem os suicídios. 
 
B
a vontade do narrador de ter sua história publicada pela imprensa. 
 
C
a precaução do narrador para que suas palavras não lhe causassem problemas na eternidade. 
 
D
a intenção do narrador de justificar o conteúdo de seu testamento. 
 
E
a convicção do narrador de que é preciso seguir os rituais, como num baile.