Leia o trecho do livro Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política, de Evgeny Morozov.
Já é quase um clichê afirmar que “dados são o petróleo do século XXI”. Há muito a criticar nessa definição. Para começar, a forma como produzimos dados é muito diferente daquela como a natureza produz seus recursos. Mas esse chavão, por mais desgastado que esteja, acerta em um ponto, ao levar em conta a escala da transformação digital que se encontra à nossa frente.
Não surpreende o surgimento de um nicho de consultorias digitais e de gurus tecnológicos, os quais insistem na ideia de que uma sociedade detentora de tantos dados vai acabar solucionando todas as contradições que o sistema capitalista global não consegue resolver por conta própria: ao nos proporcionar trabalhos flexíveis e bem remunerados; ao punir os participantes deletérios do mercado por meio de mecanismos de autocorreção instantâneos; ao introduzir eficiência e sustentabilidade onde antes não havia – e tudo isso graças a aparatos inteligentes.
Todas essas previsões podem ter seu fundo de verdade, mas certamente essa não é a única lição a extrair da comparação entre dados e petróleo. Cabe lembrar que a história do petróleo no século XX também se caracteriza pela violência, por pressões corporativas, guerras incessantes e desnecessárias, derrubada de regimes democráticos na expectativa de assegurar o controle de recursos estratégicos, aumento da poluição e alterações climáticas. Se os dados são o petróleo do século XXI, quem vai ser o Saddam Hussein deste século?
Considerar essa questão nos dias de hoje pode parecer não só excessivamente sarcástico, como também ridículo. Mas não precisaria ser assim: deveria ser óbvio o fato de que os dados — e os serviços de inteligência artificial que eles ajudam a estabelecer — vão se constituir em um dos terrenos cruciais dos embates geopolíticos deste século. Até agora, os principais competidores são bem conhecidos — os Estados Unidos e a China, os dois países com setores tecnológicos mais avançados —, mas é bem provável que outros, como a Rússia e a Índia, vão buscar um lugar no pelotão de frente, no mínimo movidos pelo temor de uma dependência excessiva de serviços digitais estrangeiros.
(Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política, 2018.)
“Considerar essa questão nos dias de hoje pode parecer não só excessivamente sarcástico, como também ridículo.” (4o parágrafo)
No contexto em que se encontra, a expressão sublinhada expressa ideia de