Questão
Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF
2024
Fase Única
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Leia o trecho do livro Pequeno Manual Antirracista, de Djamila Ribeiro.

LEIA AUTORES NEGROS

Mesmo vencendo todos os obstáculos que acompanham a pele não branca e ingressando na pós-graduação, o estudante encontrará outro desafio: epistemicídio, isto é, o apagamento sistemático de produções e saberes produzidos por grupos oprimidos. [...]

Os sinais de apagamento da produção negra são evidentes. É raro que as bibliografias dos cursos indiquem mulheres ou pessoas negras; mais raro ainda é que indiquem a produção de mulheres negras, cuja presença no debate universitário e intelectual é extremamente apagada. Durante os quatro anos de minha graduação em filosofia, não me sugeriram a leitura de nenhuma autora branca, que dirá negra. A gravidade disso está exemplificada por Abdias do Nascimento em O genocídio do negro brasileiro, no qual afirma que o genocídio é toda forma de aniquilação de um povo, seja moral, cultural ou epistemológica. [...]

Um belo exemplo de feminista negra brasileira é Lélia Gonzalez, atuante nas décadas de 1970 e 1980 e professora do curso de sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que encantou plateias com o poder transformador de suas palavras. As propostas de Lélia para pensar a “amefricanidade”, propondo um feminismo afro-latino-americano, se perpetuam até hoje ao se propor uma luta transnacional.

O apagamento da produção e dos saberes negros e anticoloniais contribui significativamente para a pobreza do debate público, seja na academia, na mídia ou em palanques políticos. Se somos a maioria da população, nossas elaborações devem ser lidas, debatidas e citadas.

A importância de estudar autores negros não se baseia numa visão essencialista, ou seja, na crença de que devem ser lidos apenas por serem negros. A questão é que é irrealista que numa sociedade como a nossa, de maioria negra, somente um grupo domine a formulação do saber. É possível acreditar que pessoas negras não elaborem o mundo? É sobre isso que a escritora Chimamanda Ngozi Adichie alerta ao falar do perigo da história única. O privilégio social resulta no privilégio epistêmico, que deve ser confrontado para que a história não seja contada apenas pelo ponto de vista do poder. É danoso que, numa sociedade, as pessoas não conheçam a história dos povos que a construíram.

[...]

As construções sobre raça se dão de forma singular e complexa nas diferentes regiões do país. Por isso, precisamos conhecer a produção de mulheres negras de fora das grandes metrópoles – como Nilma Bentes, Zélia Amador e Marcela Bonfim – e ampliar as nossas visões de mundo. Procure conhecer o trabalho realizado por núcleos de estudos afro-brasileiros em universidades, valorize editoras que publicam produções intelectuais negras e apoie iniciativas que têm como objetivo a visibilidade de pensamentos decoloniais. Precisamos ir além do que já conhecemos.

Fonte: RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 61-67.

Djamila Ribeiro empregou no texto “Leia autores negros”, texto I, algumas estratégias argumentativas. Analisando-as, é possível afirmar que:
A
a estratégia argumentativa de contraposição é explorada ao se apoiar e citar a obra O genocídio do negro brasileiro, de Abdias do Nascimento, em que o autor defende que “o genocídio é toda forma de aniquilação de um povo, seja moral, cultural ou epistemológico” (2º parágrafo).
B
Djamila Ribeiro aplica um procedimento argumentativo de causa e efeito no trecho: “As construções sobre raça se dão de forma singular e complexa nas diferentes regiões do país. Por isso, precisamos reconhecer a produção de mulheres negras” (6º parágrafo).
C
no trecho “as propostas de Lélia para pensar a “amefricanidade”, propondo um feminismo afro-latinoamericano, se perpetuam até hoje ao se propor uma luta transnacional” (3º parágrafo), nota-se a estratégia de contra-argumentação, uma vez que Djamila ressignifica o pensamento de Lélia.
D
no trecho “É sobre isso que a escritora Chimamanda Ngozi Adichie alerta ao falar do perigo da história única” (5º parágrafo), nota-se o uso do relato pessoal, já que Djamila defende seu posicionamento citando a história narrada por Chimamanda.
E
o trecho “É possível acreditar que pessoas negras não elaborem o mundo?” (5º parágrafo) deixa de ser uma pergunta retórica na medida em que Djamila Ribeiro expressa uma crítica social, sensibilizando os leitores.