Leia o trecho do livro Pequeno Manual Antirracista, de Djamila Ribeiro.
LEIA AUTORES NEGROS
Mesmo vencendo todos os obstáculos que acompanham a pele não branca e ingressando na pós-graduação, o estudante encontrará outro desafio: epistemicídio, isto é, o apagamento sistemático de produções e saberes produzidos por grupos oprimidos. [...]
Os sinais de apagamento da produção negra são evidentes. É raro que as bibliografias dos cursos indiquem mulheres ou pessoas negras; mais raro ainda é que indiquem a produção de mulheres negras, cuja presença no debate universitário e intelectual é extremamente apagada. Durante os quatro anos de minha graduação em filosofia, não me sugeriram a leitura de nenhuma autora branca, que dirá negra. A gravidade disso está exemplificada por Abdias do Nascimento em O genocídio do negro brasileiro, no qual afirma que o genocídio é toda forma de aniquilação de um povo, seja moral, cultural ou epistemológica. [...]
Um belo exemplo de feminista negra brasileira é Lélia Gonzalez, atuante nas décadas de 1970 e 1980 e professora do curso de sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que encantou plateias com o poder transformador de suas palavras. As propostas de Lélia para pensar a “amefricanidade”, propondo um feminismo afro-latino-americano, se perpetuam até hoje ao se propor uma luta transnacional.
O apagamento da produção e dos saberes negros e anticoloniais contribui significativamente para a pobreza do debate público, seja na academia, na mídia ou em palanques políticos. Se somos a maioria da população, nossas elaborações devem ser lidas, debatidas e citadas.
A importância de estudar autores negros não se baseia numa visão essencialista, ou seja, na crença de que devem ser lidos apenas por serem negros. A questão é que é irrealista que numa sociedade como a nossa, de maioria negra, somente um grupo domine a formulação do saber. É possível acreditar que pessoas negras não elaborem o mundo? É sobre isso que a escritora Chimamanda Ngozi Adichie alerta ao falar do perigo da história única. O privilégio social resulta no privilégio epistêmico, que deve ser confrontado para que a história não seja contada apenas pelo ponto de vista do poder. É danoso que, numa sociedade, as pessoas não conheçam a história dos povos que a construíram.
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As construções sobre raça se dão de forma singular e complexa nas diferentes regiões do país. Por isso, precisamos conhecer a produção de mulheres negras de fora das grandes metrópoles – como Nilma Bentes, Zélia Amador e Marcela Bonfim – e ampliar as nossas visões de mundo. Procure conhecer o trabalho realizado por núcleos de estudos afro-brasileiros em universidades, valorize editoras que publicam produções intelectuais negras e apoie iniciativas que têm como objetivo a visibilidade de pensamentos decoloniais. Precisamos ir além do que já conhecemos.
Fonte: RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 61-67.
O texto é um trecho do capítulo intitulado “Leia autores negros”, do livro Pequeno Manual Antirracista, de Djamila Ribeiro. No que se refere ao título do capítulo em consonância aos argumentos trazidos pela autora, é possível afirmar que ela: