Leia o trecho de O quinze, de Rachel de Queiroz (1910-2003).
Todos os anos, nas férias da escola, Conceição vinha passar uns meses com a avó (que a criara desde que lhe morrera a mãe), no Logradouro, a velha fazenda da família, perto do Quixadá.
Ali tinha a moça o seu quarto, os seus livros, e, principalmente, o velho coração amigo de Mãe Nácia. Chegava sempre cansada, emagrecida pelos dez meses de professorado; e voltava mais gorda com o leite ingerido à força, reposta de corpo e espírito graças ao carinho cuidadoso da avó.
Conceição tinha vinte e dois anos e não falava em casar. As suas poucas tentativas de namoro tinham-se ido embora com os dezoito anos e o tempo de normalista; dizia alegremente que nascera solteirona. Ouvindo isso, a avó encolhia os ombros e sentenciava que mulher que não casa é um aleijão...
– Esta menina tem umas ideias!
Estaria com razão a avó? Porque, de fato, Conceição talvez tivesse umas ideias; escrevia um livro sobre pedagogia, rabiscara dois sonetos, e às vezes lhe acontecia citar o Nordau ou o Renan da biblioteca do avô.
Chegara até a se arriscar em leituras socialistas, e justamente dessas leituras é que lhe saíam as piores das tais ideias, estranhas e absurdas à avó.
Acostumada a pensar por si, a viver isolada, criara para seu uso ideias e preconceitos próprios, às vezes largos, às vezes ousados, e que pecavam principalmente pela excessiva marca de casa.
(O quinze, 2013.)
No trecho, a personagem Conceição é caracterizada como