Leia o trecho do romance Ciranda de pedra, de Lygia Fagundes Telles
O quarto estava na penumbra, impregnado de um perfume adocicado e morno. A doente estava deitada no divã.
O roupão azul, frouxamente entreaberto no busto, deixava entrever o colo magro, da brancura seca do gesso. O rosto parecia tranquilo em meio à cabeleira em desordem, de um louro sem brilho.
[...] Pousou o olhar em Virgínia. — E quem é esta menina?
Virgínia aproximou-se. “Outra vez, meu Deus, outra vez?!”
— Sou eu, mãe.
Laura cerrou os grandes olhos mortiços. Tinha a expressão serena mas desatenta.
— Eu sou sua mãe, eu sou sua mãe — repetiu como uma criança obediente que consegue decorar a lição sem contudo entendê-la. Sorriu. — Eu estava brincando...
“Será melhor esperar”, resolveu Virgínia ajoelhando-se ao lado do divã. Se lhe perguntassem esperar o quê, não saberia responder. Apenas esperava. Uma vez surpreendeu uma mariposa presa numa teia. “Fuja depressa, fuja!”, desejara sem coragem de intervir. Mas a mariposa se deixava envolver sem nenhuma resistência no viscoso tecido cinzento que a aranha ia acumulando em torno de suas asas. Assim via a mãe, enleada em fios que lhe tapavam os ouvidos, os olhos, a boca. Não adiantava dizer-lhe nada. Nem mostrar-lhe nada. Falas e pessoas batiam naquele invólucro macio e ao mesmo tempo resistente como uma carapaça, batiam e voltavam e batiam novamente num vaivém inútil. Apenas uma pessoa conseguia penetrar no emaranhado: Daniel.
(Ciranda de pedra, 2009.)
Não fosse a doença, a comparação com a mariposa enredada permitiria caracterizar Laura como uma mulher