Leia o trecho do romance Órfãos do Eldorado, de Milton Hatoum para responder à questão
O gerente [...] me encarou, o rosto tenso, mãos nos bolsos da calça. [...] Meu pai não tinha renovado o seguro do Eldorado, e a empresa ainda devia muito dinheiro ao banco inglês.
Estiliano não sabia disso?
Era um assunto do doutor Cordovil. Teu pai não autorizava ninguém a assinar apólices de seguro. Ele ia renovar, mas morreu.
Então o gerente continuou: no naufrágio do Eldorado a Companhia Adler tinha perdido oitenta toneladas de borracha e castanha, e movia um processo contra a empresa; as taxas portuárias não haviam sido pagas para a Manaus Harbour... O falatório desastroso me irritou. Eu não sabia de nada; a ignorância era a minha fraqueza. O gerente parou de falar, sentou e apoiou os cotovelos na escrivaninha, os dedos na testa, o olhar de admiração e saudade na fotografia do meu pai. Eu não conseguia encarar Amando, nem na parede. Murmurei: A empresa afundou. Ouvi alguém dizer em voz baixa: Covarde.
Perguntei ao gerente o que ele estava dizendo.
Permaneceu mudo, na mesma posição. O retrato do meu pai parecia me desafiar. Covarde. Não serves para nada. Era a voz de Amando Cordovil. As mesmas palavras. Ou minha memória repetia o que eu tinha ouvido tantas vezes? Então naquela manhã fui com o gerente ao banco inglês.
O empréstimo. Só de pensar, fico agoniado. [...] Senti o mesmo sufoco quando o diretor do banco me mostrou os documentos assinados por Amando. A dívida, uma fortuna. Saí tonto, peguei o bonde para a chácara e esperei Estiliano em Manaus.
Uns dez dias depois ele apareceu. Já sabia de tudo: eu tinha sido ingênuo ou irresponsável. Fui as duas coisas, pensei. Mas fiz questão de dizer que só meu pai fazia a renovação do seguro. Vim antes porque li a notícia do naufrágio nos jornais de Belém, ele disse. E então revelou que estava em Manaus havia uma semana. Não quis perder tempo, prosseguiu. Conversei com o juiz, com os diretores do banco e da Adler.
Explicou que os dois batelões estavam atracados no Manaus Harbour, confiscados pela justiça. Essas barcaças velhas não valiam muito, mas era possível vendê-las. O que tinha valor era o cargueiro alemão: o Eldorado.
Acusei o gerente de leviano, podia ter evitado essas dívidas. Estiliano não se alterou: o gerente era uma sombra do meu pai, e uma sombra não podia pensar em tudo. Mas era preciso vender os dois batelões?
Vais ter que vender tudo: esta chácara, o edifício da empresa e o terreno de Flores.
Como eu ia admitir? Queria casar com Dinaura, viajar com ela.
Vives em outro mundo, disse Estiliano. Se não venderes tudo, podes ser preso. As pequenas companhias de navegação da Amazônia estão falidas. Sai desta chácara e anda pela cidade. Aquela moça arrancou tua cabeça, te deixou sem razão. Cego.
(Órfãos do Eldorado, 2008.)
No trecho, Arminto