Leia o trecho a seguir, retirado da obra Campo Geral, de Guimarães Rosa.
Chegou, e não falou nada. Não tomou a benção. Pai estava lá. — “O que é que este menino xixilado está pensando? Tu toma a benção?!” Tomou a benção, baixinho, surdo. Ficava olhando para o chão. Pai já estava encostado nele, como um boi bravo. Miguilim desquis de estremecer, ficou em pau, como estava. Já tinha resolvido: Pai ia bater, ele aguentava, não chorava, Pai batia até matar. Mas, na hora de morrer, ele rogava praga sentida. Aí Pai ia ver o que acontecia. Todos se chegaram para perto, até o tio Osmundo Cessim, Miguilim esperava. Duro.
Mas Pai não bateu em Miguilim. O que ele fez foi sair, foi pegar as gaiolas, uma por uma, abrindo, soltando embora os passarinhos, os passarinhos de Miguilim, depois pisava nas gaiolas e espedaçava. Todo o mundo calado. Miguilim não arredou do lugar. Pai tinha soltado os passarinhos todos, até o casalzinho de tico-ticos-reis que Miguilim pegara sozinho, por ideia dele mesmo, com peneira, na porta-da-cozinha, uma vez. Miguilim ainda esperou para ver se Pai vinha contra ele recomeçado. Mas não veio. Então Miguilim saiu. Foi ao fundo da horta, onde tinha um brinquedo de rodinha-d’água —sentou o pé, rebentou. Foi no cajueiro, onde estavam pendurados os alçapões de pegar passarinhos, e quebrou com todos. Depois veio, ajuntou os brinquedos que tinha, todas as coisas guardadas —os tentos de olho-de-boi e maria-preta, a pedra de cristal preto, uma carretilha de cisterna, um besouro verde com chifres, outro grande, dourado, uma folha de mica tigrada, a garrafinha vazia, o couro de cobra-pinima, a caixinha de madeira de cedro, a tesourinha quebrada, os carretéis, a caixa de papelão, os barbantes, o pedaço de chumbo, e outras coisas, que nem quis espiar —e jogou tudo fora, no terreiro. E então foi para o paiol. Queria ter mais raiva. Mas o que não lhe deixava a ideia era o casal de tico-ticos-reis, o macho tão altaneirozinho bonito — upupava aquele topete vermelho, todo, quando ia cantar. Miguilim tinha inventado de pôr a peneira meia em pé, encostada num toquinho de pau, amostrara arroz por debaixo, e pôde ficar de longe, segurando a pontinha de embira que estava lá amarrada no toquinho de pau, tico-tico-rei veio comer arroz, coração de Miguilim também, também, ele tinha puxado a embira... Agora, chorava.
(Campo Geral, Guimarães Rosa)
A passagem descrita no trecho em destaque denota um processo importante na vida de Miguilim. O amadurecimento de Miguilim que se aprofunda após a morte de Dito já havia sido ensaiado anteriormente em outra situação, como quando Miguilim