Leia o trecho de O seminário dos ratos, de Lygia Fagundes Telles, para responder à questão.
O homem estranhou aquele céu verde com a lua de cera coroada por um fino galho de árvore, as folhas se desenhando nas minúcias sobre o fundo opaco. Era uma lua ou um sol apagado? Difícil saber se estava anoitecendo ou se já era manhã no jardim que tinha a luminosidade fosca de uma antiga moeda de cobre. Estranhou o úmido perfume de ervas. E o silêncio cristalizado como num quadro, com um homem (ele próprio) fazendo parte do cenário. Foi andando pela alameda atapetada de folhas cor de brasa, mas não era outono. Nem primavera, porque faltava às flores o hálito doce avisando as borboletas, não viu borboletas. Nem pássaros. Abriu a mão no tronco da figueira viva mas fria: um tronco sem formigas e sem resina, não sabia por que motivo esperava encontrar a resina vidrada nas gretas. Não era verão. Nem inverno, embora a frialdade limosa das pedras o fizesse pensar no sobretudo que deixara no cabide do escritório. Um jardim fora do tempo mas dentro do meu tempo, pensou.
O húmus que subia do chão o impregnava do mesmo torpor da paisagem. Sentiu-se oco, a sensação de leveza se misturando ao sentimento inquietante de um ser sem raízes: se abrisse as veias, não sairia nenhuma gota de sangue, não sairia nada. Apanhou uma folha. Mas que jardim era esse? Nunca estivera ali nem sabia como o encontrara. Mas sabia — e com que força — que a rotina fora quebrada porque alguma coisa ia acontecer, o quê?! Sentiu o coração disparar. Habituara-se tanto ao quotidiano sem imprevistos, sem mistérios. E agora a loucura desse jardim atravessado em seu caminho. E com estátuas, aquilo não era uma estátua?
(O seminário dos ratos, 1977)
Em O seminário dos ratos, percebe-se a presença de um traço característico do modernismo de 1945, de