Leia um trecho do romance Iracema, do escritor José de Alencar:
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna¹, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati² não era doce como seu sorriso, nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica³, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se. Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar, nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas⁴ armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido. Sofreu mais d’alma que da ferida. O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba⁵ e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara. A mão que rápida ferira estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. (José
(José de Alencar. Iracema, 2006. Adaptado)
¹graúna: pássaro de cor negra.
²jati: pequena abelha.
³oiticica: árvore frondosa.
⁴ignoto: desconhecido.
⁵uiraçaba: estojo em que se guardam flechas
Um traço característico da prosa romântica que pode ser encontrado no trecho transcrito é