Longe
É um provérbio obscuro, reconheço, mas vou contrariar todas as regras dos velhos ditados chineses e tentar esclarecê-lo. Certamente a última pessoa a quem você deve pedir informações sobre uma explosão é quem esteve no meio dela.
Esta não terá condições de responder mais nada a ninguém, nunca. Você também não saberá muita coisa sobre a explosão entrevistando quem estava a poucos metros do local. Serão pessoas traumatizadas pelo evento, incoerentes, e cada uma terá uma versão diferente do que aconteceu. Não adianta também perguntar aos bombeiros ou aos policiais que acorrerem ao lugar da explosão – eles estarão muito ocupados fazendo seu trabalho. Perguntar aos jornalistas, então, nem pensar. Estes terão as explicações mais desencontradas.
O que você deve fazer, portanto, é ir afastando-se do local da explosão até encontrar alguém que não ouviu sequer o estrondo. Esse saberá o que aconteceu. Esse terá o fato em estado puro, separado da sua circunstância, e poderá desenvolver uma teoria irreparável, uma teoria a salvo da realidade.
Para falarmos do Brasil e dos seus problemas atuais com isenção teríamos, antes de mais nada, de não estar aqui. Ajudaria se fôssemos escandinavos. Ou então se vivêssemos naquele estranho Brasil que não é Brasil, que não sofre o Brasil na carne e que está a salvo de todas as suas concussões: a terra da nossa elite dirigente, a Escandinávia virtual dos nossos tecnocratas¹. É lá que a sabedoria do meu provérbio é provada, pois é lá – longe das ruínas do dia a dia, longe das circunstâncias que desmentem e atrapalham – que vive, incontestada, a nossa classe explicadora.
(Aquele estranho dia que nunca chega, 2011.)
¹ tecnocrata: estadista ou alto funcionário que busca apenas soluções técnicas ou racionais para os problemas, sem levar em conta aspectos humanos e sociais.
Expressa sentido hipotético a forma verbal destacada no trecho: